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Tout va bien (Tudo vai bem)

França, 1972, cor, 35 mm, 95’



França, 1972. Uma fábrica de produtos alimentícios em greve. Os operários sequestram o patrão. Uma jornalista norte-americana e seu marido, cineasta ex-integrante da Nouvelle Vague que agora se dedica a filmes publicitários, são aprisionados junto com o diretor da fábrica.

Codirigido por Godard e Jean-Pierre Gorin, Tout va bien pode ser visto como o prenúncio de uma transição. Juntamente com o filme seguinte, Letter to Jane (1972), Tout va bien marca o fim do Grupo Dziga Vertov e a dissolução da parceria Godard-Gorin. A partir de Ici et ailleurs (1974), um novo momento de experimentação será levado adiante por Godard e Anne-Marie Miéville na produtora Sonimage.

Tout va bien assume de forma provocadora alguns pressupostos típicos do cinema comercial/industrial, notadamente o uso de estrelas como Yves Montand e Jane Fonda. Como afirmam as vozes anônimas na sequência de abertura, para fazer um filme comercial é necessário contar com astros internacionais; para tanto, é necessário ter dinheiro e uma história, que invariavelmente começará com um casal – ele e ela – em um determinado contexto (no caso, a França no ano de 1972 e os acontecimentos de uma greve numa fábrica de produtos alimentícios).

Os dados estão lançados. Mas como fazer um filme verdadeiramente político negociando com os parâmetros da indústria e do comércio cinematográficos? Godard e Gorin investem na desconstrução dos efeitos de realidade, assumem o artificialismo das filmagens em estúdio e jogam as vedetes (Montand, Fonda e Vittorio Caprioli, o dono da fábrica) contra atores desconhecidos que interpretam os operários em greve – estratégia que traduz de forma irônica a luta de classes tematizada no nível do enredo.

A greve, por sua vez, não é mostrada com a suposta seriedade de um “documentário” – que, a rigor, fica sempre aquém dos fatos representados –, mas como uma comédia de erros. Isso não exclui a defesa clara de um posicionamento. Em Tout va bien, Godard e Gorin continuam a fazer as mesmas perguntas que marcaram o projeto político do Grupo Dziga Vertov: por quem e contra quem um filme deve ser realizado? Ainda que as razões dos operários em greve sejam defendidas por Godard e Gorin, não se trata de conservá-las em uma bolha, mas de atirá-las contra outros pontos de vista, de forma a fazer explodir as contradições e revelar os limites da luta política.

Além disso, existe a necessidade de se pensar o próprio papel do cinema nesse jogo de desmascaramentos. Por isso, tão ou mais importante que o uso de atores de renome para o discurso crítico de Tout va bien é a decisão de filmar em estúdio. Aqui a referência maior é o cinema hollywoodiano e de novo a comédia, em particular o modelo cenográfico de O terror das mulheres (The ladie’s man, Jerry Lewis, 1961), transposto em Tout va bien para os cenários interiores da fábrica Salumi, ocupada pelos operários grevistas.

O recurso ao estúdio e aos atores desconhecidos como intérpretes dos operários não deixou de causar certo escândalo. A crítica francesa veria Tout va bien como contraponto (positivo ou negativo) ao filme de Marin Karmitz, Coup pour coup (1972), dramatização de uma greve de operárias em uma fábrica têxtil, que também culmina no sequestro do patrão. Se Karmitz investe no estilo documental e no elogio do espontaneísmo da encenação (e também da ação política), Godard e Gorin recusam tais efeitos, pondo em relevo a hipótese de que é impossível filmar um acontecimento histórico como se ele fosse real. É essa gritante impossibilidade que reintroduz, em nova chave, a dialética entre o ver e o não ver (ou, de outra maneira, entre o mostrar e o não mostrar). Como nos demais filmes do Grupo Dziga Vertov, Tout va bien chama a atenção do espectador para o fato de que ver uma imagem não significa necessariamente compreender os seus múltiplos sentidos.

A operação deflagrada em Tout va bien é subversiva no sentido brechtiano: usar os instrumentos do sistema hegemônico contra esse mesmo sistema. O alvo, porém, não é o evidente artificialismo do estúdio, e sim o falso “realismo espontaneísta” – no fundo, um grande engodo. Para falar de uma dada situação política, é preciso filmar politicamente. Esse é um problema posto e reposto pelos filmes anteriores de Godard ou do Grupo Dziga Vertov. Mas o que singulariza Tout va bien é que dessa vez a própria eficácia da ruptura com os modelos anteriores da linguagem cinematográfica é que está sendo colocada em xeque. Sendo ao mesmo tempo um balanço dos quatro anos que se seguiram ao maio de 1968 e uma reflexão um tanto melancólica sobre os impasses e as contradições gerados pelos filmes que Godard e Gorin realizaram durante esse período (a meu ver apenas superados pelo belíssimo Ici et ailleurs), Tout va bien coloca em questão, uma vez mais, a (in)capacidade de o cinema dar a ver – de forma justa – determinadas situações históricas.

Se o filme de Godard e Gorin sela o fim das utopias, ele também aponta para um recomeço. “Cada um é o seu próprio historiador”, diz a voz over ao final de Tout va bien. A obra subsequente de Godard será marcada por esse cruzamento dilacerante entre história e subjetividade. A tônica dessa nova fase será a de uma extrema, luminosa e persistente solidão.

Luís Alberto Rocha Melo



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


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