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Ici et ailleurs (Aqui e acolá)

França, 1974, cor, 16mm, 55’



Em 1970, Godard e Gorin filmam os fedayin e a resistência palestina na Jordânia. Intitulado Jusqu’à la victoire, esse documentário ganha um novo olhar e outra escuta ao passar pela mesa de montagem de Ici et ailleurs, sob o crivo da conversação entre Godard e Anne-Marie Miéville.

Em 1970, financiados pela Liga Árabe, Godard e Gorin viajam à Jordânia para filmar a resistência palestina. Aos olhos dos dois integrantes do grupo Dziga Vertov, a revolução palestina se expressava em uma precisa adição de imagens e sons: A vontade do povo + A luta armada + O trabalho político + A guerra prolongada = Até a vitória. Alguma coisa, porém, não fechava essa conta. Seis anos depois, Godard faz um acerto de contas com a avaliação política e estética daquela época: “Provavelmente, de tanto somar a esperança ao sonho, a gente deve ter feito erros de adição”, ele reconhece. Seria preciso adotar então outra operação (de sentido): nem adicionar nem subtrair, e, muito menos, opor uma coisa a outra, mas colocar junto, servindo-se da conjunção “e” para extrair daí um valor diferencial: ricos e pobres, estrangeiro e nacional, Revolução Francesa e Revolução Árabe, sonho e realidade, vitória e derrota, a família francesa (rica de imagens da revolução) e os pobres meninos palestinos: aqui e acolá.

Ao passar outra vez pela mesa de montagem – agora com a ajuda do vídeo – os registros do documentário inacabado Jusqu’à la victoire, Ici et ailleurs exibe em sua fatura o princípio que apregoa: “Aprender a ver, não a ler as imagens”. Para aprender a ver é preciso escutar, pois aquele que viajou um dia para filmar os fedayin não soube escutá-los verdadeiramente, assim como também é necessário aprender a desmontar e a remontar as inúmeras imagens que nos cercam. Diante da cena em que a família francesa assiste pela televisão às notícias sobre o Oriente Médio, a voz off de Godard sentencia: “não há mais imagens simples, apenas pessoas simples que são forçadas a ficar quietas como uma imagem”. Para ver é preciso desmontar a linha de montagem criada pelas redes de televisão quando abordam o conflito entre árabes e israelenses. Em uma montagem polêmica, que lhe rendeu pesadas críticas de antissemitismo, Godard associa o extermínio em massa dos judeus da Europa ao massacre dos palestinos pelo exército de Israel, e o rosto de Hitler ao da primeira-ministra israelense Golda Meir. Se qualquer imagem cotidiana faz parte de um sistema vago e complicado, o gesto crítico consistirá em trocá-las de lugar, alterná-las, quebrando a sintaxe que as encadeia e as torna escravas umas das outras. Em um procedimento provocador, o filme joga com as imagens como se elas fossem unidades de uma frase: em certo momento, surgem o retrato do presidente americano Richard Nixon, caças-bombardeio, guerrilheiros palestinos. Em seguida, a imagem de Nixon é substituída pela do general Moshe Dayan, ministro da Defesa de Israel que conduziu as operações militares da Guerra dos Seis Dias (conflito que envolveu Israel, Egito, Síria e Jordânia, em 1967). Tão difícil quanto libertar as imagens e sons da escravidão que a televisão lhes impõe é “encontrar sua própria imagem na ordem e desordem dos outros, com o acordo ou o desacordo dos outros”, afirma Godard em off. Como inventar então uma imagem capaz de deixar traços, em contraposição às imagens publicitárias? Como não se perder em meio às imagens consumidas indistintamente, a sua e a minha, a nossa e a dos outros, aqui e alhures? É preciso dispor de tempo para ver as imagens e escutar o que é dito (frequentemente alto demais, de maneira enfática e unívoca) e também para reconhecer tanto o silêncio quanto as atitudes encenadas e as vozes dubladas no teatro das manifestações políticas, incluindo as revolucionárias. Diante de uma sequência em que uma jovem palestina testemunha seu empenho pela revolução, Anne-Marie nota que ela acaba por repetir, enfastiada, o discurso que o sindicalista lhe dita. Mesmo o poema de Mahmoud Darwich, declamado entusiasticamente por uma garota nas ruínas da cidade jordaniana de Al Karamah – de onde os israelenses foram rechaçados vitoriosamente pelos palestinos – se presta a esse teatro.

No fim do filme, Godard e Mièville reveem a filmagem dos fedayin em junho de 1970. Com o auxílio da tradução feita por Elie Sanbar, ele se dá conta, pesaroso, de que não compreendeu o que os guerrilheiros palestinos diziam. Ensurdecidos pela altura do discurso revolucionário, Godard e Gorin não escutaram os questionamentos que os jovens fedayin se faziam diante das estratégias que dispunham para atravessar o rio, conscientes do perigo que corriam diante do poderio do inimigo. “Como eles são revolucionários simples, eles dizem coisas simples, incrivelmente simples”, comenta Anne-Marie em off. Mas os jovens cineastas militantes não compreenderam o que os guerrilheiros diziam. Foi preciso fazer outro filme para descobrir que eles já falavam da sua própria morte (o registro fora feito três meses antes do “Setembro negro”, quando o exército do rei Hussein, da Jordânia, massacrou os fedayin e milhares de civis palestinos). “Os outros, esse lá do nosso aqui” – como diz a cineasta – retornam para nos assombrar. Ainda hoje.

César Guimarães



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


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