FINIS HOMINIS

Ficção, 1970-71, 35 mm, P&B / cor, 79 min, longa-metragem

 
 
 

Um homem aparece nu em uma praia. Inicialmente, as pessoas fogem, mas com o tempo esse sujeito, que ganha o nome de Finis Hominis, começa a cativar um grande número de pessoas com suas falas proféticas e suas aparições miraculosas. Ele termina por virar celebridade e chega a fazer um discurso em rede nacional de televisão.

Dependendo do ponto de vista adotado, Finis Hominis pode ser visto como um anárquico libelo antitradição ou simplesmente um bizarro e engraçado filme-piada, aproveitando a bem conhecida e já bastante utilizada semelhança formal entre profecia e loucura, entre elativização dos valores da sociedade e insanidade. É possível pensar em, entre outros filmes da história do cinema, A vida (1979), de Terry Jones, Europa 51 (1952), de Roberto Rossellini, Nazarin (1959), de Luis Buñuel. As ênfases, naturalmente, variam do com as predileções de cada cineasta. esiste em todas essas obras um desejo de ontar a hipocrisia de uma sociedade que busca a salvação enquanto, na prática, abusa de todos os egoísmos, oportunismos e outras maldades.

Feito de pequenos episódios interligados de forma tênue – ou mesmo não interligados –, o filme tem um rico imaginário de heresia e de choque em relação aos valores instituídos. Visto assim, nada mais é do que uma continuação lógica da filosofia dos filmes de Zé do Caixão, que colocava a nu preconceitos e crendices estúpidas da população mais humilde. No filme, vemos o personagem principal beber vinho no cálice de uma igreja (é o episódio que lhe rende o epíteto “Finis Hominis”, expressão latina que significa “o fim do homem”), vemos uma viúva ser penetrada sexualmente em frente do caixão de seu marido, uma velhinha que finge ter problemas nas pernas levantar da cadeira de rodas, adultérios, blasfêmias (um casal tirando sarro diante da cruz), numerosas ofensas que parecem mais gratuitas justamente porque participam de uma lógica própria do episódio.

Mas a gratuidade aqui representa um trunfo, não um demérito. Mojica Marins sempre soube que o que faz a força de seus filmes são os momentos mais impactantes, e não a coesão e o equilíbrio da obra como um todo. Livre para fazer seu personagem ir aonde bem quiser, livre dos entraves de uma estrutura narrativa mais fechada, o diretor exercita sua veia de filósofo da moral cotidiana e expõe os defeitos e hipocrisias do próprio espectador.

Afinal de contas, cabe estar atento aos signos que conformam a personagem Finis Hominis: a nudez inicial, a internação num sanatório, as lições de moral que não são nada mais que o uso sensato da virtude do raciocínio, todas elas apontam para um significado muito preciso. Nu e louco, Finis é o homem que está fora do mecanismo que faz girar o mundo, está fora da inscrição na Lei e, portanto, pode, com um olhar livre, encarar as sandices que perpetramos todos os dias e testemunhar, sem espalhafato ou senso de polêmica, que os verdadeiros loucos são aqueles que aceitam jogar o jogo dos valores aceitos e propagados.

Ruy Gardnier