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EXORCISMO NEGRO

Ficção, 1974, 35 mm, cor, 94 min, longa-metragem

 
 

O cineasta José Mojica Marins vai passar uns tempos no interior, na casa de uma família de amigos. Repentinamente, começam a ocorrer fenômenos paranormais com os familiares. Os acontecimentos estão ligados a um pacto ocorrido no passado e que se relaciona de forma obscura ao personagem Zé do Caixão.

De todas as incursões de José Mojica Marins no gênero fantástico, Exorcismo negro talvez seja seu filme de construção mais serena, cadenciada, atmosférica até. Ele vai criando seu ritmo aos poucos, preparando lentamente para um clímax que afinal revelará a origem de todos os mistérios surgidos ao longo do filme. Assim, num certo sentido, é talvez, de toda sua filmografia de terror, o filme que mais se alinha a uma tradição ficcional reconhecida e característica, distante do imaginário mondo cane ao qual suas produções costumam ser associadas, não sem certa razão.

Mesmo que o filme tenha sido concebido para aproveitar a onda de O exorcista (1973), lançado no mesmo ano, isso no fundo não explica a mudança de tom e a abordagem diferente do diretor. Essa mudança talvez deva-se mais a um desejo de testar seu talento em outras praias.

 

E o resultado, vale dizer, é surpreendentemente bom. A surpresa não vem das dúvidas no talento, mas do fato de os outros filmes de terror de Mojica Marins funcionarem num ambiente de choque puro, de imagens fortes e inventivas, sem necessidade de construção do suspense. Exorcismo negro, todavia, é só suspense, um calmo desenrolar de cenas misteriosas, filmadas em tom menor, até que o clímax venha fechar a história com chave de ouro, no momento da resolução da trama.

Nos melhores filmes de terror de Mojica, o desenvolvimento narrativo geralmente funciona como uma espécie de ilustração da tese filosófica que o filme sustenta. Aqui, ocorre o contrário: de fato, o filme se desenrola como um embate entre criador, o cineasta José Mojica Marins, e Zé do Caixão, a criação cinematográfica que, como indicam certos fenômenos paranormais, tem vida própria para além dos filmes. Mas essa é apenas uma linha narrativa suplementar, que funciona em segundo plano em relação à história da perfeita família do interior assombrada por um passado que esconde um misterioso pacto com o demônio. Ainda que essas duas linhas venham a se encontrar no final, a questão filosófica não será respondida. Essa prevalência da narrativa sobre a “mensagem” confere à história uma solidez rara entre as obras do diretor – e dá um gosto todo especial ao filme.

Quanto à seqüência mais importante, a do casamento macabro, trata-se de um dos melhores momentos de invenção visual de toda a carreira de José Mojica Marins. As grandes angulares e os ângulos inusitados de câmera vêm garantir um clima de espanto e horror à já medonha encenação ritualística, cheia de capuzes vermelhos, iluminação carregada, fumaça e cenário suntuoso. Os gritos e a música trabalham na edição de som para nos dar uma percepção ao mesmo tempo cativante e terrível do inferno. Nesses momentos de pura embriaguez visual e construção de um clima opressor físico, o cinema de Mojica assume toda sua força experimental. Das poucas vezes que o cinema desceu consistentemente aos infernos (pensamos também no grande cineasta underground americano Kenneth Anger), Exorcismo negro é uma das melhores.

Ruy Gardnier