Portal Brasileiro de Cinema  PERVERSÃO (ESTUPRO!)

PERVERSÃO (ESTUPRO!)

Ficção, 1978, 35 mm, cor, 87 min, longa-metragem

 
 
 

Vitório Palestrina é um comendador degenerado. Ele ataca moças inocentes e desonra-as, mas escapa sempre, graças à fortuna que possui. A aparição de uma mulher por quem ele finalmente se apaixona fará com que suas atrocidades recebam o castigo merecido.

Talvez seja possível aplicar a Perversão (Estupro!) o mesmo juízo emitido por Carlos Reichenbach em resenha para o jornal São Paulo Shimbum, de 19 de março de 1970, a propósito da mais sensacional obra precursora desta película: “Acabei de ver um filme em sua primeira cópia, no laboratório. O filme mais ribombante feito no Brasil até hoje. É Ritual dos sádicos, dirigido por um tarado mental, um gênio do escrotismo, o maior homem do cinema já surgido no hemisfério sul: José Mojica Marins”.

A minha tese é de que filmes como A estranha hospedaria dos prazeres, Inferno carnal e Perversão – são todos devedores da cepa que O despertar da besta (Ritual dos sádicos) inaugurou, ainda sob a segura pena do roteirista Rubens Lucchetti.

Se dessa vez é Crounel, filho de Mojica, quem escreve os diálogos, tudo recende àquela veia original, que também geraria produtos superiores e inferiores. Nos primeiros, com maior radicalismo, eu situaria duas obras-primas: Exorcismo negro e Delírios de um anormal.

Nesses filmes desenha-se o diálogo com a cultura dos anos 70, que o esoterismo de Finis Hominis já buscara. O que acontece é que Mojica vai se desencantando. Perversão é a porta para o pior dos horrores éticos: o cinismo que se alimenta da injustiça. É, a meu ver, um filme bastante político. Os comentários dos críticos da épo- ca não diferem fundamentalmente do que já diziam sobre os outros do mesmo ciclo: deploram o kitsch de Mojica, que parece, a essa altura, resolvido a levar às últimas conseqüências o cinema anunciado, no início da década, na crônica de Reichenbach, que tinha como título “O tarado: uma explosão”.

Quase dez anos depois, a prática vem confirmar a teoria. Sim, é verdade que as ban- dejas de salgadinhos são de papel e que se bebe uísque em copos de requeijão. Mas essa seria, afinal, a “estética da vontade de comer” de Mojica, levada ao paroxismo. Se por um lado este filme surge num mo- mento de êxitos para o cineasta (festivais de Brasília – seu primeiro nacional – e Sitges, Espanha), também marca a interrupção, durante longo período, de sua produção independente e o início do caminho rumo ao sexo explícito.

Talvez Mojica quisesse ironizar a classe artística-intelectual inteira: em Perversão (Estupro!) muitos dos grã-finos são ligados ao cinema, e o comendador Vitório Palestrina (com sua barriga de Ubu e sua atitude de Gigante Piaimã) é um admirador do teatro. A mulher capaz de virar sua cabeça é universitária. Mas nada pode permanecer em pé, tudo tem de sofrer severa demolição. Ecos desse “tratamento” podem ser vistos no re cente O pântano (2001), de Lucrecia Martel, que prolonga o “escrotismo” da 90 91 cena à beira da piscina. Essa estética do mau gosto deliberado e sistemático surge desde o início, com seus enquadramentos absurdos. Com muito mais freqüência, Mojica usa o espectador como destinatário de sua vileza, fazendo com que seu olhar coincida com o da vítima. Este não é, assim, um filme que facilite o caminho do espectador rumo à obra de Mojica.

Lúcio Agra