Portal Brasileiro de Cinema D. Elza Rodrigues
D. Elza Rodrigues Entrevistada por Eugênio Puppo Quando comecei a trabalhar no Globo [em 1937], só havia duas mulheres: eu e a telefonista. O Roberto Marinho achava que eu ia atrapalhar a redação, porque os homens ficavam em cima de mim. Foi lá que eu conheci o Nelson, eu trabalhava na mesa ao lado da dele: aí começamos a namorar. Ele me conquistou, foi forte; as pessoas perceberam. O Roberto me disse que eu não devia casar com o Nelson porque ele era muito doente, tinha tuberculose, e eu ia virar enfermeira dele. Mas eu não fiquei alarmada. Minha mãe, que era uma italiana, firme, também não queria que eu namorasse, mas eu namorava
escondido; e atendia o telefone escondido. E casei escondida [em 1940], mas continuei morando
com a minha mãe; e o Nelson com a dele. Então escrevi uma cartinha para ela dizendo: quando
receber esta, já estarei casada. Antes de entregar, perdi a cartinha. E ela achou, leu, e pensou que Minha mãe me tirou do Globo porque eu namorava o Nelson. Nessa época a gente não tinha autonomia; fazíamos o que a mamãe queria. Ela era uma fera! Por isso, quando casamos, fomos morar no Engenho Novo, para fugir dela. Nelson saiu de Copacabana e eu de Estácio; ficamos três anos lá. Mamãe ia me visitar e dizia: “Meu Deus! Você veio morar aqui!”. Era amor, não tínhamos dinheiro nenhum. Casamos na prestação, os móveis, tudo na prestação. Ele ganhava muito pouco, vivia só do jornal. E tem outra coisa, eu que fazia a economia da casa. Ele mesmo pedia: “Não deixe eu sair com dinheiro porque senão acaba”. Depois fomos morar perto da mamãe, que já aceitava o casamento; ela fazia almoço no domingo e a gente ia. Ele teve uma paciência louca com ela; o Nelson era muito gentil com mamãe, e ela foi aceitando o carinho dele. No começo do namoro, o Nelson escrevia cartas falando da obsessão que ele tinha pelos túmulos, pela morte. Ele descrevia os túmulos das criancinhas e dizia que achava muito bonito. Desde criança ele gostava de velórios e caixões de criancinhas. Havia sempre uma coisa mórbida dentro dele. Até que nos conhecemos e ele parou com esse negócio de criancinha morta. Eu o animava, tínhamos um relacionamento muito forte. Quando conheci o Nelson, o irmão já tinha morrido [Roberto Rodrigues morreu em 1929]; ele me contava tudo e vivia a morte do irmão. E eu ouvia e o confortava. Foi aí que ele deixou de se preocupar com essa morte. Eu dizia para ele se conformar. Mas o outro irmão também tinha morrido, em Campos do Jordão, o Joffre [morreu em 1936], que era muito ligado a ele. Morreu tuberculoso. Pegou a doença do Nelson e foi embora, uma tuberculose galopante. E o Nelson ficou com um remorso tremendo. A gente ia ao cemitério visitar o túmulo dele e ele ficava triste, abafado de visitar o túmulo. Aí ele escrevia sobre a morte. Eu é que batia tudo o que ele escrevia. E depois rebatia e fazia as cópias, naquela época era tudo carbono. Eu separava tudo bonitinho e lia, para censurar; ele pedia para dar opinião e eu fazia uma censura terrível! Censurava é maneira de dizer. Era uma revisão, eu dava as opiniões. Uma vez aconteceu uma coisa muito engraçada com Vestido de noiva. Liguei para o Nelson e disse: “Como é que a mulher pode estar se vendo no caixão?”. Eu batia muito rápido e de repente
reparei que a madame Clessi estava vendo a si mesma no caixão. Mas ele disse: “Vai batendo, vai
batendo”. E eu fui batendo... Ele tinha um carinho especial por Vestido de noiva e também por Álbum Quando ele saiu de casa, mandou uma carta me dizendo que não ia voltar. Carta que eu cheguei a guardar mas rasguei. Ele disse que não ia voltar e eu chorei, chorei, chorei... era natural. A Lúcia ia ter uma filha, e isso mudava tudo. Ele tinha a Lúcia e ela estava grávida. Ficamos catorze anos separados, mas namorávamos. “Nada como ser amante da própria esposa”, ele dizia. |