Portal Brasileiro de Cinema A hora da confissão – Triste sina
A hora da confissão – Triste sina (Publicado em 1928 no jornal Crítica) O meu primeiro desenho? Não me recordo. Talvez fosse o elefante que ninguém adivinhou. Não fui uma criança prodígio. Lembro-me que apostava um tostão com outros garotos para ver quem desenhava melhor. Sempre perdia… Gostava de fazer rabiscos, criando um novo tipo de submarino ou canhão cujo mecanismo só eu entendia. Depois tive vontade de crescer para fazer a independência de um país qualquer. Do Canadá por exemplo. A minha arte é sincera. Sou eu mesmo. Não tenho a preocupação de fazer blague, nem me interessam a gramática artística ou a cartilha social. Muita gente acha horrível o que faço. Pode ser. Não fosse a vida a minha inspiradora… Em todo caso sou moço, e é possível que um dia encontre a beleza das coisas feias. Tanto é belo um idílio romanesco como um crime bárbaro. Vênus de Milo dá saudade das mulheres feias. Tudo depende do momento. Às vezes prefiro o necrotério, com as mães chorando, a Copacabana com as meninas bonitas e alegres. No resto, sou igual a qualquer mortal – tolero a vida por covardia. Creio que o artista moderno não pode ter a ingenuidade dos antigos. Antigamente, dormia-se bem e comia-se melhor. O ar era mais puro e existia tranqüilidade de espírito. Hoje o artista trabalha torturado pelo trepidar alucinante das máquinas. Tem a maldade dos milhões de seres animalizados na luta pela vida. Quando eu era pequeno um senhor disse que o artista morria de fome. O castigo melhor é deixá-lo viver. A própria arte se encarrega de matá-lo, muito mais lenta e cruelmente. Não vês como a mãe tem pena do filho artista? Se encontrares um artista na rua tira o chapéu. O trabalho mais insignificante dele equivale a tua vida inteira de esforço mental. ROBERTO RODRIGUES |