Portal Brasileiro de Cinema  A CAIXA DE PANDORA

A CAIXA DE PANDORA (DIE BÜCHSE DER PANDORA)

Georg Wilhelm Pabst
ALEMANHA, 1928, P&B, 35 MM., 132 MIN.

 
 

"Ai da mulher que não é vamp do cinema mudo. Todas deviam ser vamps do cinema mudo", decretava Nelson Rodrigues. E poucas foram tão fatais e marcantes quanto Louise Brooks, que parecia descolar-se da tela, distanciando-se do fundo. Ela tornou possível o que parecia irrealizável: dar corpo no cinema a uma personagem que era puro desejo.

Nas peças do alemão Frank Wedekind, Lulu é a encarnação de um feminino primordial, pré-moral, pulsão de vida e de morte. A carga sexual de suas histórias valeu a Wedekind problemas constantes com a censura e acusações de imoralidade — nada distante de Nelson Rodrigues. A obra de ambos podem ser vista como uma rara mistura de elementos satíricos, grotescos e trágicos.

No expressionista A caixa de Pandora, Pabst condensa as duas peças de Wedekind protagonizadas por Lulu, precursoras do expressionismo no teatro. O cineasta não só mantém a ambigüidade no comportamento de Lulu como também reforça a ambivalência das figuras masculinas, que se colocam como vítimas dos poderes e caprichos da "fêmea". Antes de morrer, baleado por Lulu, o marido deixa para o filho uma advertência que é também uma maldição: "Cuidado! Você é o próximo!". O advogado compara Lulu ao mito grego de Pandora, a "insensata mulher" que abriu a caixa com todos os males do mundo. Corporificando a ambigüidade de anjo e demônio da mulher, Lulu faz parte do mesmo imaginário das personagens rodriguianas, como Glorinha (de O casamento) e Engraçadinha (de Asfalto selvagem), variações da femme fatale que deixam uma trilha de desgraças por onde passam. Mas nem o filme alemão nem os exemplos brasileiros se deixam levar pelo mito da mulher que carrega em si a maldição dos homens, pois ambos complicam o jogo, colocando em cena as contradições do masculino. O "nó da questão" é o fracasso masculino, o "pai incapaz de cumprir o papel que a tradição lhe reserva", resume Ismail Xavier. Longe da esfera familiar, o filme aponta outras instâncias desse fracasso, que pode vir disfarçado de poder social (o amante), corrupção (aqueles que negociam sobre Lulu e seu poder de atração), sensibilidade artística (o filho do amante) e até, nada sutil, personificado em Jack, o Estripador.

Ai da mulher que é vamp do cinema mudo.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: Nero-Film

PRODUÇÃO: Georg C. Horsetzky, Seymour Nebenzahl

ROTEIRO: Georg Wilhelm Pabst, Joseph Fleisler e Ladislaus Vajda (baseado nas peças O espírito da terra e A caixa de Pandora, de Frank Wedekind)

FOTOGRAFIA E CÂMERA: Günther Krampf

DIREÇÃO DE ARTE: Andrej Andrejev e Gottlieb Hesch

MONTAGEM: Joseph R. Fiesler

MÚSICA: Willy Schmidt-Gentner

ELENCO: Louise Brooks, Fritz Kortner, Franz Lederer, Carl Goetz, Krafft-Raschig, Alice Roberts, Daisy d'Ora, Gustav Diessl