OS AMANTES (LES AMANTS)

Louis Malle
FRANÇA, 1958, P&B, 35 MM., 88 MIN.

 
 

Jeanne mora numa bela casa com o marido, dono de jornal, e a filha. Entediada e insatisfeita com a arrogância dele, ela faz viagens constantes a Paris, onde mantém encontros com um amante. Quando seu carro quebra na estrada, ela pega carona com o desconhecido Bernard, que é convidado pelo marido a se hospedar na casa. Ela e o desconhecido passam a noite juntos, e na manhã seguinte Jeanne deixa para trás a família e a vida burguesa para ir viver com Bernard.

A ousadia de Os amantes, agravada pelo relance dos seios de Jeanne Moreau e uma insinuação de sexo oral, desencadeou protestos e pedidos de censura em vários países, incluindo Estados Unidos e União Soviética. No Brasil, o caso mobilizou a imprensa. O crítico Paulo Emilio Salles Gomes se tornou um dos defensores mais atuantes, ainda na pré-estréia: "diluindo um erotismo de alta escola no mais puro lirismo, atinge um nível de emoção estética que desencoraja qualquer polêmica".

Logo depois o colunista carioca Ibrahim Sued daria início à campanha contra Os amantes: "o mundo que é descrito, negado e vencido [no filme] é precisamente aquele refletido nas colunas sociais". Católicos militantes como Humberto Didonet lamentavam a exibição sem cortes no Rio de Janeiro desse filme "feito com o único objetivo de exibir publicamente cena de requintada libertinagem".

Por volta dessa época, Nelson Rodrigues escreve para a Última Hora o folhetim Asfalto selvagem (agosto de 1959 a fevereiro de 1960). No livro, todos comentam Os amantes. O juiz Odorico, cujo encontro com Engraçadinha vinte anos depois de conhecê-la reaviva o antigo desejo, é talvez o personagem mais obcecado pelo filme. Suas apreciações variam de acordo com o interlocutor e a situação. Para a chatíssima esposa de um funcionário do Tribunal de Contas, lança o inesperado argumento: "Nós é que corrompemos o filme, nós!". Na casa de Engraçadinha, que se converteu ao protestantismo, o juiz nega ter visto o filme e, contagiado de moralismo, toma o rumo apocalíptico: "Mas o filme é um detalhe! O trágico é ver a família brasileira. [...] Veja bem: — a família brasileira atrás de uma tal cena, onde o amante...Vou parar, Engraçadinha. Mas afirmo não há mais 'família brasileira'. Acabou". A verdadeira indignação acontece quando a esposa o obriga a reproduzir com ela a tal cena do filme: "'Essa fita miserável envenenou a imaginação de todo mundo!'. Casais que viviam tranqüilos e consolidados, no seu estável tédio sexual [...]. 'Fui humilhado! Ou melhor:— violentado! Eu me violentei!'. Estava cada vez mais convencido de que era uma iniqüidade a exibição de Les amants".

Asfalto selvagem vale-se do filme de Louis Malle para traduzir o espanto, o desconcerto e o arrebatamento de uma época diante de um novo protagonista que se afirmava em cena: o prazer feminino.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: Nouvelles Éditions de Films

PRODUÇÃO: Irénée Leriche

ROTEIRO: Louis Malle e Louise de Vilmorin (baseado no romance Point de lendemain, de Dominique Vivant)

FOTOGRAFIA: Henri Decaë

DIREÇÃO DE ARTE: Bernard Evein e Jacques Sanulnier

MONTAGEM: Léonide Azar

ELENCO: Jeanne Moreau, Alain Cuny, Jean-Marc Bory, Judith Magre, José Luis de Villalonga, Gaston Modot