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PORTO DAS CAIXAS

Paulo César Saraceni
RIO DE JANEIRO, 1962, P&B, 35 MM., 75 MIN.

 
 

A mulher rodriguiana é fonte eterna de contestação à ordem patriarcal e sua vítima preferencial. A figura do marido fraco, derrotado, geralmente constrói o ponto de partida para a insurreição feminina em sua irrefreável pulsão.

Este longa escrito e dirigido por Paulo César Saraceni, parte de um fait divers de certa repercussão na época, o "crime da machadinha" — bem ao gosto do dramaturgo. É a história de uma mulher pobre, do interior decadente, que, insatisfeita no casamento, assassina o marido. A possível aproximação entre o universo de Nelson Rodrigues e o de Saraceni deve ser feita, no entanto, com cuidado. O filme se insere nos primórdios do Cinema Novo, embora tenha sido muito mal recebido pelos membros do movimento, e guarda notórias relações com o cinema de Mário Peixoto, a literatura de Lúcio Cardoso e a visualidade de Oswaldo Goeldi. O tema comum é a decadência de uma época diante da modernização, que solapa os valores estabelecidos e instaura um regime impessoal, gerando a dúvida existencial e a solidão. O contexto artístico do início dos anos 60 traz, na contramão, uma crescente politização da representação de quadros sociais e históricos.

Se é certo que Nelson Rodrigues também trabalhe a figura da decadência, ele o faz em chave inerente à condição humana e não como condição transitória de determinado período. Saraceni, por sua vez, desenvolve um movimento de atração e distanciamento tanto das premissas do dramaturgo quanto das do Cinema Novo. O marido de Porto das Caixas não é só produto do desajuste de uma sociedade capitalista periférica; o personagem expõe seu lado cafajeste ao empurrar a mulher para a traição conjugal em troca de álcool, comida ou dinheiro. Porém, o mote da esposa não é propriamente vingar-se dessa exploração masculina e sim libertar-se de um homem, de um lugar, de uma época. Ela descobre que não apenas o marido, mas a maioria dos homens, a própria sociedade, é impotente para o gesto decisivo, a morte.

A personagem feminina não tem resquício algum de dúvida moral e portanto não depende da figura masculina para se definir ou se enredar nas teias da história; suas ações são fruto de convicção pessoal. O filme desqualifica o horizonte político imediato à esquerda (as reformas de base) e descortina o processo já consumado à direita. A falta de adesão e de resultados mina a ambos, assim como o fatalismo mina a convicção rodriguiana. Falta a paixão destruidora como motor das transformações. Mesmo com séculos de opressão Nelson remontaria ao Éden e a seu determinismo bíblico, a mulher vira signo de revolta, revolução, enfrentando os homens, a sociedade e até mesmo o destino.

No filme há outra personagem feminina que simboliza a moira e a morte: é a que entrega a arma do crime à protagonista, numa situação climática que parece predizer o fim trágico iminente da personagem central, que, afinal, não ocorre. Nada mais anti-Nelson Rodrigues.

Hernani Heffner

PRODUTORA: Equipe Produtora Cinematográfica

PRODUÇÃO: Elísio de Souza Freitas

DISTRIBUIDORA: U.C.B. União Cinematográfica Brasileira

ROTEIRO: Paulo César Saraceni (baseado em argumento de Lúcio Cardoso)

FOTOGRAFIA: Mário Carneiro

MONTAGEM: Nelo Melli

CENOGRAFIA: Mário Carneiro

ELENCO: Irma Alvarez, Reginaldo Faria, Paulo Padilha, Joseph Guerreiro, Margarida Rey, Sérgio Sanz, José Henrique Belo