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COPACABANA ME ENGANA

Antônio Carlos Fontoura
RIO DE JANEIRO, 1969, COR, 35 MM., 93 MIN.

 

Copacabana me engana é uma crônica de costumes carioca movida a cinema moderno. O excepcional trabalho de câmera na mão, os cortes em faux raccord, as estratégias de documentário, os enquadramentos esvaziados. Movido por evidente inspiração tropicalista, o filme embaralha o velho e o novo para extrair daí expressão própria. Exemplo mais eloqüente é a banda sonora, por onde passam Mutantes, Caetano, Nora Ney, Beatles, canções bregas, diálogos de novela, Chacrinha, musical americano, locutores de rádio e a sonoridade das ruas, numa primorosa edição guiada pela colagem, com cortes bruscos e combinação de contrários.

Copacabana me engana ecoa filmes que, como ele, acompanham a trajetória de um jovem protagonista, num percurso que inclui desde os primeiros Godard e Truffaut até Juventude transviada (1955), que merece citação direta quando Marquinhos encosta no rosto uma garrafa de leite gelado, reproduzindo o gesto de James Dean. No repertório de referências acionado por Fontoura, a obra de Nelson Rodrigues também marca presença. Copacabana me engana tem sua porção de A vida como ela é... ao se dedicar a revolver o poder dos sentimentos na esfera doméstica. Há uma contaminação entre o dramático e o corriqueiro, muitas vezes acentuada pelo contraponto irônico trazido pelo som dos programas de rádio e de televisão.

Como em Nelson, os diálogos do filme se impõem pela maestria em recriar a fala coloquial, com a devida parcela de espirituosidade, boçalidade, emoção e poder revelador. O amigo interpretado por Joel Barcellos é fonte inesgotável de ótimas tiradas, pérolas da cafajestagem. No tratamento das relações familiares e de seus desdobramentos na vida afetiva, o filme estreita ainda mais o diálogo com o universo rodriguiano: a figura paterna ao mesmo tempo autoritária e esvaziada de poder efetivo; a submissão da mãe ao esquema familiar e a sexualizada devoção ao filho caçula; a competição entre os irmãos, que acabam por dividir a mesma mulher num ménage à trois que repercute o curto-circuito do núcleo familiar.

Não falta nem mesmo uma cena recorrente nas ficções de Nelson: o flagrante da traição, quando o casal de amantes é identificado por alguém no meio da rua. No filme, a cena é construída com simetria exemplar e tratamento de comédia pastelão: passeando de braços dados com Marquinhos pela rua do Ouvidor, a mãe vê o marido enlaçado com a amante e arma um escândalo em público. O ridículo ou o prosaico acompanha de perto os momentos de maior tensão, como a agressão física do filho sobre a mãe. Ressentimentos, paixões, humilhações entram em combustão bem ali, entre a televisão desligada e a mesinha de centro.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: A. C. Fontoura & D. Achcar

PRODUÇÃO: Antônio Carlos Fontoura e Dalai Achcar

ROTEIRO: Antônio Carlos Fontoura (a partir de argumento de Armando Costa, Leopoldo Serran e Antônio Carlos Fontoura)

FOTOGRAFIA: Afonso Beato

CÂMERA: Jorge Bodansky

MONTAGEM: Mário Carneiro

MÚSICA: "Baby", de Caetano Veloso

ELENCO: Odete Lara, Carlos Mossy, Cláudio Marzo, Paulo Gracindo, Joel Barcellos, Lícia Magna, Armando Costa, Iolanda Cardoso, Maria Gladys, Ênio Santos