Portal Brasileiro de Cinema  GUERRA CONJUGAL

GUERRA CONJUGAL

Joaquim Pedro de Andrade
RIO DE JANEIRO, 1974, COR, 35 MM., 90 MIN.

 
 

"A servidão doméstica, o beijo apodrecido, as varizes, a porta aberta, a arteriosclerose, o barulho da boca, o erotismo de cozinha, a concupiscência senil, os tapas na gorda, o delírio da carne em flor, a cama dentada, o voyeurismo necrófilo, a decoração de interiores, o sexo em dúvida, a bronquite asmática e mesmo o triunfo final da prostituição sobre a velhice indicam, entretanto, a possibilidade de redenção pelo excesso de pecado", diz o texto de divulgação deste filme. Guerra conjugal é realizado um ano depois de Toda nudez será castigada e compartilha com o filme de Jabor e outras produções cinema-novistas do período o projeto de aprofundar uma "anatomia da decadência" — como definiu Ismail Xavier —, que tem como centro a crise da estrutura familiar e da autoridade masculina. É no território da sexualidade que as relações de poder serão dissecadas.

A adaptação dos contos de Dalton Trevisan feita por Joaquim Pedro pode ser encaixada num esquema triangular, que incorpora, como terceiro vértice, o universo de Nelson Rodrigues. Da obra dos dois escritores, o cineasta retira munição para desvendar os mecanismos apodrecidos que conduzem a trajetória do macho dominador. Com isso, estabelece ostensivo contraponto ao imaginário das comédias eróticas que conquistavam o público da época, subordinadas, em geral, aos valores mais conservadores.

Contrariando a moral dostoievskiana, que incide sobre a obra de Nelson, Guerra conjugal não persegue a redenção dos pecados por meio da culpa e do castigo. Em vez disso, toma o caminho mais irônico, e talvez mais perverso, da redenção pelo excesso de pecado. Difícil apontar qual dos caminhos propõe o postulado moral mais rigoroso. A opção pelo excesso leva o filme a ostentar, sem a menor cerimônia, o que há de mais kitsch, vulgar e mesmo desagradável. O humor, aqui, é enganoso: se traveste de comédia erótica para em seguida virar o jogo e tornar explícitos os violentos mecanismos de poder que sustentam tanto as guerras conjugais como as sociais. O filme constrói uma incômoda perspectiva em abismo, na qual a esfera pública e a pessoal vão se espelhando a todo momento, pulverizando os referenciais.

Ao escrever sobre a peça Os sete gatinhos, Paulo Mendes Campos chega à definição lapidar: "Uma família que apodrece dentro da ordem capitalista". Seguindo essa trilha, Guerra conjugal pode ser compreendido como uma implacável exposição do apodrecimento das relações pessoais dentro de uma ordem autoritária, repressora.

Luciana Corrêa de Araújo

PRODUTORA: Indústria Cinematográfica Brasileira e Filmes do Serro

PRODUÇÃO: Joaquim Pedro de Andrade, Luiz Carlos Barreto, Aloysio Salles e Walter Clark

ROTEIRO: Joaquim Pedro de Andrade (baseado em contos de Dalton Trevisan)

FOTOGRAFIA E CÂMERA: Pedro de Moraes

MONTAGEM: Eduardo Escorel

MÚSICA: Ian Guest

ELENCO: Lima Duarte, Carlos Gregório, Jofre Soares, Carmem Silva, Ítala Nandi, Cristina Aché, Analu Prestes, Carlos Kroeber, Dirce Migliaccio, Elza Gomes, Maria Lúcia Dahl, Oswaldo Louzada, Lutero Luiz, Wilza Carla