Portal Brasileiro de Cinema  O BEIJO NO ASFALTO

O BEIJO NO ASFALTO

Bruno Barreto
RIO DE JANEIRO, 1980, COR, 35 MM., 77 MIN.

 

Neste filme de Bruno Barreto, vemos o cruzamento do universo familiar com o sensacionalismo jornalístico. A argumentação de Arandir, o marido, explica mas não justifica seu ato, tornando-o inaceitável. Ao reconhecer o beijo dado num morto na rua — beijo que não vemos —, Arandir inscreve-se num panorama de inocência e bondade que não encontra eco entre seus familiares.

Ao longo do filme, acompanhamos várias relações tensas entre o ambiente familiar e as intenções ocultas. Selminha, esposa de Arandir, ao ser indagada pela imprensa se conhece realmente o marido, responde: "Eu amo o Arandir", revelando a raiz da confiança. Aprígio, pai de Selminha, é um homem de falas lacunares, acentuadas por um olhar vago, raramente direcionado aos personagens, e uma inexplicável recusa em pronunciar o nome do genro indícios de seu desejo por Arandir. O questionamento das bases da estrutura familiar, chave na obra rodriguiana, mescla-se ainda com outros elementos, como o contraponto do malandro jornalista Amado Ribeiro em ótima interpretação de Daniel Filho.

Há aqui um tratamento naturalista. Sem maiores elaborações visuais, Barreto concentrase na precisão dos diálogos, adaptados para o filme pelo próprio Nelson Rodrigues. E há um cuidado com a utilização da música composta pelo maestro Guto Graça Mello, para que ela não sobressaia à trama, apenas pontue alguns momentos de passagem. Nota-se ainda a busca por detalhes do cotidiano em enquadramentos como o de uma moradora da vila com um regador, o de Selminha cortando carne em casa ou o das velhinhas na rua próximas a um afiador de facas.

A adaptação incorpora elementos novos, como as entrevistas de rua feitas para a televisão, nas quais fica clara a tentativa de modernizar o entendimento da repercussão do beijo e a utilização sensacionalista do assunto, com o argumento de "ouvir a voz do povo". É interessante assistirmos às críticas a Arandir e ao irônico depoimento favorável, vindo de um discurso mais intelectualizado, que valoriza a bondade do ato. Ao mesmo tempo, as manchetes do jornal Última Hora trazem frases diretas e reveladoras, como "Beijo é crime. Adultério não é mais crime".

Num momento curioso, vemos Dália deitada, assistindo na TV um programa do Zé do Caixão, e acompanhamos suas reações de medo, que se confundem com uma certa excitação. A atenção aos olhares de Dália, além aproveitar a beleza da atriz, torna-se, ao longo do filme, um elemento de juízo moral das ações. Não é à toa que ela sai em defesa de Arandir, mas permanece estática diante da cena final.

Alessandro Gamo

PRODUTORA: Embrafilme e Filmes do Triângulo

PRODUÇÃO: Luiz Carlos Barreto

ROTEIRO: Doc Comparato (baseado na peça Beijo no Asfalto de Nelson Rodrigues)

FOTOGRAFIA: Murilo Salles

MONTAGEM: Raymundo Higino

MÚSICA: Guto Graça Mello

DIÁLOGOS: Nelson Rodrigues

ELENCO: Tarcísio Meira, Ney Latorraca, Lídia Brondi, Christiane Torloni, Daniel Filho, Oswaldo Loureiro, Nélson Caruso