Portal Brasileiro de Cinema TRAIÇÃO
TRAIÇÃO Arthur Fontes, Cláudio Torres e José Henrique Fonseca O longa-metragem em episódios foi bastante usado para lançar novos diretores, principalmente na Itália e na França dos anos 50 e 60. Este filme, que marca a estréia da produtora carioca Conspiração, possui duas particularidades: é um longa que nasceu de um curta e é uma coprodução entre o cinema e a TV. O curta original foi premiado pela Globosat e a partir daí surgiram os outros. Um deles, Gêmeas, pela sua extensão, foi lançado separadamente. Dois outros foram então unidos ao primeiro, formando Traição. O tema é comum a todos, mas eles são ambientados em décadas diferentes, o que implica entrar no perigoso terreno das modernizações da obra rodriguiana — quase um convite ao fracasso. O primeiro pecado, de Arthur Fontes, com roteiro de Maurício Zacharias, se passa nos anos 1950. Em conversas de botequim, um homem tímido conta a um espertalhão suas aventuras com uma mulher casada, que o assedia e depois o abandona. Há uma certa sordidez humana no emprestar da chave do apartamento de encontros, no deleite do conselheiro em troçar da falta de experiência do amigo, nas frases feitas e lapidares, típicas de Nelson. Lembra um filme de J. B. Tanko, também pela mise-en-scène direta, que valoriza os diálogos. Por ser o menos pretensioso, é o melhor episódio e o que mais se aproxima do universo do autor. Diabólica, ambientado nos anos 1970, foi dirigido por Cláudio Torres, com roteiro dele e da irmã, Fernanda. Focaliza a cunhada, um dos personagens preferidos de Nelson, que volta e meia surge com destaque na obra do dramaturgo (Vestido de noiva, Beijo no asfalto, A serpente, entre outras). Aqui, temos uma ninfeta que provoca o noivo da irmã até as raias da loucura, num clima de filme de terror, meio Brian de Palma, meio o Fellini de Histórias extraordinárias. Essa atmosfera diluiu a ironia do texto, e desde o primeiro plano já pressentimos o que vai acontecer. Um elenco afiado atenua bastante os defeitos. No terceiro episódio, Cachorro!, dirigido por José Henrique Fonseca com roteiro de Patrícia Melo, a distância da obra original acentua-se ainda mais.Tudo se passa num quarto de hotel de encontros, no ano de 1990: um marido traído, a esposa e seu amante. O clima é bem Tarantino: sangue respingando e pânico. Funciona como clonagem de um subgênero hollywoodiano, mas pouco ou nada tem a ver com tragédia carioca. Aqui não há perdão. O diretor parece desprezar os personagens, faltando à humanidade com que Nelson criticava até o mais canalha dos canalhas. João Carlos Rodrigues PRODUTORA: Conspiração Filmes, Globosat e Ravina Produções e Comunicações RODUÇÃO: Flávio R. Tambellini, Leonardo Monteiro de Barros e Pedro Buarque de Holanda ROTEIRO: Maurício Zacharias, Fernanda Torres, Cláudio Torres e Patrícia Melo (baseado nos contos "O primeiro pecado", "Diabólica" e "Anemia perniciosa", de Nelson Rodrigues) FOTOGRAFIA: Affonso Beato e Breno Silveira, TRUCAGENS: The Effects House Corp., John Alagna, Robert Rowohlt e Bob Schulze MONTAGEM: João Paulo de Carvalho e Sérgio Mekler O PRIMEIRO PECADO DIABÓLICA CACHORRO! |