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La chinoise (A chinesa)

França, 1967, cor, 35 mm, 95’



No verão, cinco estudantes ocupam um apartamento emprestado para criar uma célula maoísta. Estudam, fazem seminários, teatro, depõem para um filme. Mas se desentendem, o grupo se desfaz. Véronique assassina um ministro soviético e, por engano, outra pessoa. A família retoma o apartamento e apaga os sinais das férias.

Brecht – o único nome que Guillaume (Jean-Pierre Léaud), o ator, não apaga na lista dos grandes escritores e teatrólogos – dizia que a política era a arte de pensar dentro da cabeça dos outros. Os militantes maoístas que trabalham teoria e prática no apartamento de A chinesa só conseguem pensar dentro da própria cabeça. Esta é a marca do maoísmo de verão de que trata Godard.

A política que lhe interessa é a de Brecht, a que opera na cabeça dos outros. Não apenas lutar em dois fronts, como afirmava na época, mas abrir cabeças com contradições novas e incômodas, multiplicar conflitos e tornar complexas as questões. A chinesa é até hoje um filme notável por compreender a política fora de uma linha única, a qual, no entanto, apresenta com vivo sectarismo. Até 1967, o maoísmo era pouco conhecido na França. Mais que existência no meio estudantil, Godard lhe deu futuro político, narrando como se criava uma célula, como se formavam quadros, de que modo os militantes se inseriam na cultura contemporânea, como o disciplinamento estreito e sério dá origem a um simulacro de guarda vermelha que, por conta própria, parte para a ação direta e o assassinato.

Godard tudo registra como um etnógrafo, deixa que os materiais e as personagens falem por si. Talvez seja este o seu filme mais simples e direto. O bombardeio de referências externas é concentrado e quase não há digressões. Mesmo distanciado ou um tanto indiferente, o narrador introduz uma liberdade de tratamento cinematográfico que é exatamente oposta ao disciplinamento político-partidário. No centro da montagem simultaneísta, a liberdade de imaginação do cineasta (imprescindível à vanguarda artística) se contrapõe ao regime forçado da teoria e da militância (necessário à vanguarda política). Na primeira, uma política dentro de muitas cabeças; na outra, política de uma cabeça só, se possível, chinesa.

Apostava Godard na verdade dos jovens que queriam combater a hegemonia esclerosada do PCF e fazer política contra a acomodação do operariado e a submissão geral ao gaullismo. A gestualidade e a mise-en-scène permitem que as personagens ganhem a simpatia do espectador por traduzirem de modo burlesco (uma constante godardiana) a seriedade dos temas contemporâneos: arte, revolução, comportamento. Da ginástica matinal, embalada em um pregão marxista-leninista, ao iê-iê-iê “maômaô”; da presunção manipuladora de Véronique (Anne Wiazemsky) à presença de Yvonne (Juliette Berto), que virou copeira do grupo. Mas Godard não escamoteia as contradições de classe, as clivagens de hierarquia e poder que se reproduzem dentro do apê. Yvonne encarna a ingenuidade camponesa, com sua formação ideológica precária e a prostituição eventual, a que retorna quando caem as vendas da Garde rouge e é preciso pagar as contas. A prepotência revolucionária da ficção se relativiza face à modéstia sóbria de Francis Jeanson ou Omar Diop, que apontam as dificuldades da luta revolucionária, sabem que as análises só valem para as situações concretas e que a luta de classes depois da revolução continua.

Guillaume está sempre acentuando a metarrepresentação como recurso teatral ou meio de desestabilizar o real. De igual modo, a representação do coletivo revolucionário é estilhaçada, seja pela encenação autoassumida pontuada por música, máscaras, brinquedos, objetos de consumo, cartazes, quadrinhos – um mundo artisticamente desierarquizado –, seja pelos conflitos recentes e existenciais que as personagens trazem e quebram o recitativo marxista-leninista. Godard aprecia uma ficção fresca de convenções leves e descartáveis. É inegável que o avanço político dessa técnica está, além de explicitar regras e retórica, em fazer falar o que não é representação – o que está fora do apartamento.

Godard repete em Paris e com o maoísmo La pyramide humaine (1961), de Jean Rouch, longa encenado por jovens sobre a própria condição, experimento grupal em que a transposição da fronteira da ficção para a realidade põe em risco a integridade do grupo e a vida de cada um. Psicodrama sem psicologia individual, premência de que a sociedade concreta aflore nos desejos e fantasias, urgência de saída existencial e mudança social. Godard repete, um por um, todos os termos do filme de Rouch, com um sentimento de exílio mais atual e dilacerante, nascido da V República, da sociedade de consumo, da escalada norte-americana no Vietnã, da miséria do marxismo existente e da história do cinema.

O cineasta evoluiria politicamente, abandonaria o cinema comercial e engajar-se-ia em uma espécie de maoísmo prático e “udigrude”, dando razão às personagens e adotando como sua a crise de identidade burguesa de Véronique. Cinquenta anos depois, a eminência de A chinesa está na análise da onda maoísta como parte do sistema de alienações culturais da sociedade francesa e capitalista. A análise da sociedade de consumo feita em Duas ou três coisas que eu sei dela (1966) prossegue aqui implacável – análise mais relevante que a indicação da linha política correta. O filme está vivo porque diz claro: no sistema das forças políticas existentes não é possível aderir a uma ou escolher. Opinião da maior atualidade. Será que Godard não assistiu a seu filme? Ou a vida precisa imitar a arte sempre que a revolução fracasse?

Vinicius Dantas



Produção

Apoio

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Copatrocínio

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