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British sounds

Grã-Bretanha, 1969, cor, 16 mm, 52’



A linha de montagem numa fábrica, uma mulher nua, uma conversa entre operários, lembranças de revoltas camponesas na Inglaterra: tudo isso cabe no caldeirão deste filme, fragmentado por princípio, figuração do complexo caldo de questões que pairavam sobre a classe trabalhadora inglesa no fim dos anos 1960.

British sounds começa com uma repetição de imagens: vários punhos cerrados golpeiam a bandeira da Grã-Bretanha até rasgá-la. Sobre as imagens ecoa o som de um vaticínio: “A burguesia criou um mundo à sua imagem. Camaradas, devemos destruir essa imagem”. Vê-se então, in loco, a carta de princípios do cinema militante: somar a implosão do status quo estético com a implosão das formas de dominação do mundo. Entre uma implosão e outra há uma distância, equivalente àquela que separa o cinema da realidade. No fim dos anos 1960, Godard se propôs a investigar de perto cada centímetro dessa distância, tentando figurá-la no interior do plano cinematográfico.

Originado de uma encomenda da South London Weekend Television, British sounds é dos primeiros filmes do Grupo Dziga Vertov, coletivo militante que Godard integrou de 1969 a 1972. A princípio proibido pela emissora, o filme esboça alguns traços marcantes da produção do GDV: a polifonia da banda sonora, a dilatação da duração dos planos, a postura performática do corpo em cena e a base dialética do exame da realidade e da própria linguagem cinematográfica.

Situada entre One plus one (1968) e Numéro deux (1975), a experiência militante de Godard mantém a obsessão pela soma, pela aproximação de mundos (e imagens) distantes. Se a montagem cinematográfica é adição por excelência, a soma de Godard é sempre desarmoniosa, originada do choque. O “número dois” godardiano soma 1 e 1, mas supõe que tais parcelas não são iguais: na união de um som com uma imagem, de um plano com outro, o resultado só pode ser um “dois” de vidro, “desinteiriço”. Nos experimentos com o GDV, Godard radicaliza a montagem pelo choque de contrários e pela dialética, somando vozes e imagens de universos distintos e promovendo seu conflito.

British sounds é composto de seis grandes blocos. O terceiro começa com uma enfática voz: “A luta de classes é também a luta de uma imagem contra a outra, de um som contra o outro. Em um filme, a luta acontece entre imagens e sons”. Esse resumo teórico da montagem de choque logo se mostra na prática: nesse bloco vemos um discurso confrontado com seu objeto. A linha condutora do bloco é uma transmissão (aparentemente televisiva) do discurso de um jovem nacionalista britânico pregando a restrição dos direitos dos trabalhadores em prol do crescimento econômico nacional. Ele defende também a expulsão dos imigrantes que “destroem as instituições britânicas”. A montagem corta sistematicamente o discurso para mostrar imagens documentais dos trabalhadores ingleses, referidos pela fala. Da proximidade cinematográfica depreende-se a distância real: é justo por estarem a um corte de distância que conseguimos compreender o abismo que separa quem fala daquilo de que se fala. No esbarrão, vemos o limite e a consciência da diferença do corpo: os ombros se batem quando existem dois corpos e estes não podem ocupar o mesmo espaço. A montagem dialética põe as imagens a lutar ombro a ombro e as choca para fazer surgir a consciência do mundo: entenderemos melhor a distância entre patrões e trabalhadores quanto mais aproximadas estiverem suas imagens.

Essa “pedagogia do choque” em British sounds fica ainda mais clara na sua banda sonora, organizada na base da polifonia. Já no primeiro bloco, constatamos a complexidade sonora do filme. Na imagem vemos um longo travelling retratando a confecção de um carro na linha de montagem da British Motors Company. No áudio, ouvimos o mundo, a começar pelo som direto da fábrica, amplificado de modo a soar como um pequeno inferno agudo. Convivendo com o som direto, há uma leitura de trechos do manifesto do partido comunista, constantemente entrecortada pela voz de dois adultos fazendo uma criança repetir dados históricos de revoltas proletárias e camponesas na Inglaterra. Os british sounds são vários: discursos das mais variadas fontes se chocam, se atravessam e se cortam constantemente. Nessa ambiência polifônica, não há voz senhorial e explicativa reinando sobre as imagens; existe, ao contrário, desterritorialização, na qual o espectador não reconhece de onde vêm as vozes que se sobrepõem nem identifica o destino final do discurso que elas proclamam.

Somente no fim do filme as vozes se unem. No último bloco, de cunho eminentemente simbólico, um punho ensanguentado rasteja pela neve até pegar uma bandeira vermelha atirada na terra e erguê-la. Após o empunhar redentor da red flag, voltamos à sequência inicial, em que outros punhos esmurram e furam sucessivamente a Union Jack. Sobre essas imagens, as vozes agora cantam em uníssono o apoio a diversas causas esquerdistas na Inglaterra. O movimento fílmico é claro: só após o empunhar da bandeira vermelha poderemos encontrar um ponto comum, em que nossas vozes se unam.

A experiência do GDV foi uma das mais radicais tentativas de composição dessa melodia futura, revolucionária. Em retrospectiva, no entanto, o que restou foi a amarga certeza de que a melodia será sempre dissonante, pautada pela diferença entre as vozes, entre o aqui e o acolá.

Affonso Uchôa



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


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