França/Itália, 1970, cor, 16 mm, 60’
Paola Taviani é uma maoista que tenta entender como se pode lutar pela revolução. Por meio dela, o filme interroga os diferentes aspectos, até contraditórios, da vida de uma militante. No fim das contas, é a própria atriz quem dirige sua mensagem ao espectador televisivo.
Este é talvez o filme mais bem-sucedido do Grupo Dziga Vertov, ou pelo menos o mais bem estruturado e o mais rigoroso em sua construção dialética. Filmado em 16 mm em eastmancolor para a RAI, a televisão pública italiana, que recusará sua exibição, o filme gira em torno da vida cotidiana, entre ficção e realidade, de uma jovem militante próxima do movimento maoista “Lotta Continua” (Luta Contínua). Paola Taviani é interpretada por Cristiana Tullio Altan, filha de um importante antropólogo italiano e futura montadora, entre outros, de Claro (Glauber Rocha, 1975).
Rodado sobretudo em Paris (alguns planos de fábrica foram feitos em Roubaix e outros exteriores no norte da Itália, sobretudo em Milão), o filme se organiza em torno de uma série de “situações concretas” da vida de Paola, para estudar suas contradições e mesmo sua problemática coerência. Uma simples situação de vida, uma sequência ou uma imagem nada dizem da realidade se elas não são dialetizadas pela montagem, se um aspecto da vida não é tensionado por outro, se o que é visível não for articulado com o que não é – daí a necessidade, como nos outros filmes do Grupo Dziga Vertov, de introduzir fotogramas monocromáticos que remetem à imagem que falta, ideológica (o negro) ou revolucionária (o vermelho). Era, para Godard, a época em que seus filmes querem ser como “quadros-negros”: “Durante a projeção de um filme militante, a tela é simplesmente um quadro-negro ou uma parede de escola que oferece a análise concreta de uma situação concreta”, afirma ele em setembro de 1969. As últimas palavras dessa citação retornam diversas vezes em Lotte in Italia, assim como na linguagem militante da época, como um programa a um só tempo estético e político: analisar as imagens e os sons tanto como matérias-primas oriundas da realidade (mantendo em todo caso a evidência e a flagrância do real, à la Lumière) quanto como pedaços de realidade que não poderiam conter verdade própria (donde a importância da montagem, sob a influência dos grandes cineastas soviéticos). Essa copresença é, aliás, o coração da estética de Vertov, que se costuma reduzir ao seu pendor pela montagem.
O filme se estrutura em quatro partes, das quais três marcam a evolução do pensamento dialético de Paola: ela se narra, toma consciência e tenta encontrar soluções para sua situação, até chegar finalmente a “uma indicação de trabalho e de luta” (essas duas palavras-chave são por ela repetidas seis vezes, de frente para a câmera, no final do filme). A quarta parte, mais curta, opera um último salto dialético que interroga o dispositivo do filme, dirigindo-se à RAI e sublinhando a margem de manobra revolucionária tomada pela atriz, que fala enquanto tal e não mais como “Paola” para comentar e discutir seu próprio trabalho. Sobretudo na primeira parte, o filme se organiza em diversos subcapítulos que analisam vários aspectos da vida de Paola: a militância, a universidade, a família, a moradia, a saúde, a sexualidade etc.
Na verdade, Lotte in Italia tece um diálogo com um texto célebre de Louis Althusser, Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado (Notas para uma investigação), então inédito (seria publicado em junho de 1970). “Designamos por Aparelhos Ideológicos de Estado certas realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas”, escreveu Althusser, de quem Jean-Pierre Gorin era próximo. A família, a escola e o sindicato são aparelhos de Estado não diretamente repressivos nem necessariamente públicos, mas, antes, ideológicos e privados. Daí a necessidade, que as teorias feministas, ou já a teoria crítica dos pensadores de Frankfurt, haviam começado a ver por outras vias, de analisar o cotidiano e seus impensados ideológicos, ao invés de se dedicar somente a um poder longínquo, que se “limitaria” a gerir dinâmicas econômicas e reprimir o protesto. Estudar a vida do sujeito e o modo como a opressão do Estado burguês e capitalista estrutura seu imaginário até fazer dele uma segunda natureza: sobre essa base, o Grupo Dziga Vertov busca a libertação do sujeito por meio de um trabalho político coletivo. Freud e Marx dão as mãos.
Como destacou Alberto Farassino, reencontramos neste filme um tema godardiano por excelência, o da mulher em busca da verdade. A atuação de Cristiana T. Altan é um bom exemplo da inspiração brechtiana do Grupo Dziga Vertov, mas reforça o equilíbrio entre distanciamento e participação, escapando à impressão um tanto “rígida” e voluntarista de outros desses filmes. Algumas palavras num único plano em que tudo está fora de campo e vê-se figurada a instituição universitária ou a interpelação pela polícia. A vida familiar é igualmente filmada por meio de detalhes simples: o close-up de um prato de sopa que o pai de Paola lhe serve; ela frente ao espelho do banheiro enquanto seu irmão reclama por não poder entrar. Acentua-se sempre a invisibilidade do poder e da opressão, sua ascendência sobre os sujeitos. O “minimalismo” não é aqui um parti-pris estético, mas uma necessidade política de ir ao essencial do que pode tornar-se o cinema, para mudar a vida.
Dario Marchiori
Produção
Apoio
Correalização
Copatrocínio
Realização
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