França/RFA/EUA, 1970, cor, 16 mm, 96’
Intitulado inicialmente Sexo e revolução, o filme recria o julgamento dos Oito de Chicago – quando importantes ativistas norte-americanos acabaram indiciados pelos tumultos na Convenção do Partido Democrata de 1968.
– Por que fazer este filme?
– Para pagar as imagens do filme palestino.
Godard e Jean-Pierre Gorin sempre fizeram questão de explicitar criticamente essa contradição dos anos militantes: a condição comercial, certamente mais próxima do que gostariam do cinema industrial, para viabilizar um trabalho revolucionário contínuo. É preciso pagar a fabricação das imagens – mesmo aquelas que condenam essa lógica. Estamos a alguns passos dos cheques com os cachês na abertura de Tout va bien (1972), que ironicamente marcam o ápice desse tipo de revelação do modus operandi do cinema e, ao mesmo tempo, um retorno culpado ao mundo dos sonhos. O manto que a história vestiu em Vladimir et Rosa, entretanto, é o de um pequeno exercício cômico que retoma, a partir de um caso célebre da contracultura sessentista, reflexões sobre a luta de classes (e de imagens e sons) que apareceram de forma mais instigante nos anos anteriores. Pesa, decerto, ter sido realizado logo após os dois trabalhos mais importantes do Grupo Dziga Vertov, Vent d’est (1969) e Luttes en Italie (1970), mas também seu humor anárquico (e um tanto grosseiro). Godard e Gorin até deixam um pouco a sala de aula – como observou Serge Daney a respeito do modo de narração desse período no precioso texto “O terrorizado” – e invadem a cena, encarnando os condutores clownescos Vladimir Lenin e Karl Rosa.
O radar atento busca o julgamento dos Oito de Chicago, o caso em que ativistas da linha de frente norte-americana, entre eles Abbie Hoffman, Jerry Rubin, Tom Hayden e o black panther Bobby Seale, foram indiciados pelos tumultos na Convenção Democrata de 1968. Um reencontro com a revolução made in USA depois de diversos filmes centrados em problemas europeus. Rubin e os Panteras Negras, na figura do influente Eldridge Cleaver, já estavam no frustrado One american movie, rodado por Godard com D.A. Pennebaker e abandonado na paisagem radical pós-1968. Ali, o francês queria entender as diversas facetas das fogueiras políticas de seu alvo favorito. Era um filme de escuta. Aqui já não há o mesmo interesse: os oito personagens apenas possibilitam o debate sobre microcosmos das pautas revolucionárias do enterro dos anos 1960, como a questão do aborto, o feminismo (num raro momento de mea culpa machista, Godard abre espaço para sua então esposa Anne Wiazemsky falar sobre a ruptura com a ideologia burguesa da sexualidade e sua representação no cinema), a guerrilha urbana, além de pequenas nuances da luta de classes nem sempre contempladas pelas discussões mais densas dos projetos maiores. A identificação do esfacelamento da ideia de política como uma única e grande narrativa certamente garante uma sobrevida contemporânea a Vladimir et Rosa.
Mas é na conversa (“Eu gostaria de fazer um barulho enorme com a minha guitarra, porque toda essa gente está encarcerada nessa espécie de presídio. Nada impede que se faça um ruído, já que temos toda a tecnologia necessária com os instrumentos eletrônicos. – Por que não faz? – Não faço porque ninguém quer ouvi-lo”) com o personagem de um operário que se tornou músico, interpretado por Claude Nedjar, que a dupla parece identificar de forma precisa um discurso sobre a própria situação. A conclusão do guitarrista não deixa de ser a percepção cruel do próprio fracasso: dá para filmar nossos ruídos cinematográficos, mas quem quer vê-los? Mesmo com o prestígio de Godard, que permitiu ao grupo algumas exibições no circuito universitário e as chances de financiamento, tais obras nunca conseguiram despertar a atenção que mereciam. O lamento antecipou, inclusive, o impasse de Tout va bien, o canto do cisne de Godard e Gorin, que destaca a jornalista vivida por Jane Fonda como “uma correspondente que não mais corresponde”. E então fica evidente a principal diferença entre Vladimir et Rosa e os filmes anteriores do Grupo Dziga Vertov: já estamos na ressaca dos anos 1970.
O que restou da euforia sessentista já tem ar de repetição calculada. No lugar da tensão contagiante entre todos os elementos cinematográficos, há a retomada de alguns tiques característicos do período mais celebrado do Godard político (1966/67), como os planos frontais, o charme pop das cores, os jogos de linguagem, além da aproximação de viés absurdista entre heróis e vilões de diferentes tempos – Marx, Lenin, Rosa Luxemburgo, Himmler, Dillinger, Seale, os Weathermen. Também é notável o retorno à possibilidade de mise-en-scène dentro do cinema político (nesse sentido, o filme é quase antagônico a Vent d’est e parente próximo de La chinoise, 1967), assim como a da criação individual. Godard e Gorin deixam de ser operários do filme e voltam a personalizar um discurso. O coletivo vira uma dupla. Há um certo feel good, eletrizado pelo garage rock que percorre a narrativa, mas a presença (ainda que tímida) dos monitores de vídeo, fiéis companheiros de Godard dos anos 1970 até hoje, não deixa dúvidas: Vladimir et Rosa é a última farra antes do isolamento.
Leonardo Bomfim
Produção
Apoio
Correalização
Copatrocínio
Realização
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