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Scénario du film Passion (Roteiro do filme Paixão)

França, 1982, cor, vídeo, 53’



Em Roteiro do filme Paixão, vemos Godard em seu estúdio, diante da tela branca. Ali, ele retoma imagens de seu filme Passion para construir com elas um discurso em ato. Trata-se de um roteiro videográfico a posteriori, que confirma a formulação godardiana de que antes de escrever, é preciso ver.

1 O final de Passion (1981) é o início de seu roteiro (Scénario du film Passion, 1982). Tendo vivido o intenso triângulo amoroso com Jerzy e agora na estrada em direção à Polônia, Hanna dirá a Isabelle: “Deixe de história. Acabou. Já tinha acabado quando começou.” A paisagem enevoada de um filme quase por terminar encontrará a tela em branco de seu roteiro que se inicia.

Fig.1: fotograma de Paixão Fig. 2: fotograma de Roteiro do filme Paixão

O que nos leva à pergunta sobre os motivos dessa inversão: por que o roteiro deve vir depois e não antes do filme? A primeira resposta de Godard é simples, conhecida: porque, antes de escrever, é preciso ver; é preciso passar pelo trabalho do visível, que, por meio da câmera, torna o possível, provável, e o provável, possível. Uma segunda resposta está na hipótese esboçada nessas notas concisas.

2 O diretor está diante da origem: a tela em branco como a página em branco de Mallarmé. Aqui, não há ainda o mar, apenas uma praia de sol ofuscante, na qual se nota um primeiro e leve movimento: ver (voir) e receber (recevoir) as imagens que aparecem como ondas, numa espécie de rememoração, materializada na ilha de edição. As imagens sussurram ao ouvido de Godard, pedem que faça silêncio.

Figs. 3 e 4: fotogramas de Roteiro

3 “Irmãos humanos, (...) não endureçam o coração contra nós.” O apelo de François Villon, na voz de Léo Ferré, será retomado por Godard, desta vez endereçado aos espectadores. Trata-se de buscar no coração dos homens o acolhimento para o sofrimento dos oprimidos. As palavras cantadas encontram as imagens da pintura, como o amor encontra o trabalho: em Prise de Constantinople par les croisés, de Delacroix, Godard recortará, na periferia do quadro, a cena do acolhimento.

Fig. 5: “Prise de Constantinople par les croisés” Fig. 6: recorte do quadro em Roteiro

4 Em Passion, Jerzy é um diretor que – enredado nas cifras de sua superprodução, nas reivindicações de atores e figurantes e nas tramas amorosas com Isabelle e Hanna – procura uma luz, a precisa luminosidade dos quadros dos grandes mestres. Obsessivamente, ele busca essa luz inacessível – algo sagrada – que faz o filme colapsar, a despeito dos milhões que mobiliza.

Cabe a Isabelle a tarefa de empreender outra busca: não mais a luz dos quadros, mas os gestos que também da pintura o cinema herdará. É preciso conferir à opressão a escala do vivido, apreendê-la nas concretas relações de amor e de trabalho, percebê-la nos gestos das operárias na fábrica. Antes, nos diz Godard, Isabelle Huppert, a atriz, deve notar o traço que liga o Goya de El tres de mayo de 1808 à fábrica, de modo a reabrir a pintura pela mise-en-scène cinematográfica.

Fig. 7: Isabelle fundida ao quadro de Goya

5 Virá da gagueira de Isabelle a desconcertante pergunta: por que o cinema não filma as pessoas trabalhando? Godard enfrenta a questão expondo, agora, o trabalho do próprio cinema. Em Passion, a luta de Jacob contra o Anjo, eternizada entre outros por Delacroix, ganhará escala mundana, algo patética: exasperado com tantas indecisões de Jerzy, o anjo é um figurante que avança sobre o diretor. A cena sacra – agora abrigada nos bastidores da superprodução em curso – transforma-se em luta de classes, diante da qual o cinema não estará imune.

Fig. 8: Jerzy luta com o anjo

6 Em seu Roteiro, é o próprio Godard que assumirá o papel de Jerzy. Ali, ele ironiza o poder patronal do diretor e lança o cinema no interior das relações amorosas e trabalhistas. Em uma intrincada mise-enabyme, a pintura se encena na superprodução de Jerzy, que se encena na ficção de Godard que, agora em seu Roteiro, assume dupla posição: de um lado, comenta as imagens, tomando delas certa distância. De outro, estará ele próprio em cena, implicado nos embates com a equipe do filme. Inspirados em Tintoretto, o triângulo amoroso e as relações de trabalho enlaçam o próprio Godard, ao mesmo tempo sujeito e objeto da cena.

Fig. 8: Godard e sua equipe em Roteiro Fig.9: Godard e Tintoretto em Roteiro

7 Em Roteiro do filme Paixão, a tela em branco é a origem do filme. Da pintura ao cinema, a tela nos permite retomar a história (o pathos) da opressão, sua inscrição por meio dos gestos de subjugação e de recusa; o poder e os oprimidos postos juntos na mesma cena. Mas a origem, essa é a hipótese benjaminiana que se tentou exercitar aqui, só pode surgir a posteriori. Ela é o que se investiga, o que move o filme e que, por isso mesmo, não se encontra em seu início, mas em seu fim (finalmente projetada na tela de cinema). O roteiro godardiano é assim um dispositivo temporal paradoxal: a um só tempo, arqueologia – os gestos dos oprimidos que, em seu inacabamento, cabe ao cinema reencontrar – e utopia – a possibilidade de que estes gestos sejam, de algum modo, reencontrados e religados em imagens por vir. Não estaria aí, em germe, o cinema futuro de Godard, especialmente, o de suas Histoire(s) du cinema (1988-1998)? Não se trata nesse projeto, tal como o define o próprio diretor em conversa com Youssef Ishaghpour, de “guardar a imagem original do cinema”? (Archéologie du cinéma et mémoire du siècle, Farrago, 2000, p.26). Trabalho de uma arqueologia das imagens do século que se quer, no mesmo gesto, manutenção da utopia.

André Brasil



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