Portal Brasileiro de Cinema / Godard APRESENTAÇÃO   ENSAIOS    FILMOGRAFIA COMENTADA    FILMOGRAFIA    FICHA TÉCNICA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO

APRESENTAÇÃO


ENSAIOS


FILMOGRAFIA COMENTADA

Anos 1950

Anos 1960

Anos 1970

Anos 1980

Anos 1990

Anos 2000

Anos 2010


FILMOGRAFIA


SOBRE OS AUTORES


FICHA TÉCNICA


PROGRAMAÇÃO


COBERTURA DA IMPRENSA


CONTATO


Détective (Detetive)

França, 1984, cor, 35mm, 95’



Num hotel de luxo parisiense, dois detetives investigam um crime. No mesmo ambiente, boxeadores aguardam uma importante luta, um casal vive uma crise e um mafioso pretende tumultuar as coisas.

Detetive, como outros filmes dessa fase intermediária de Godard, desafia, com sua aparente simplicidade, a tarefa do crítico, mais do que suas obras-primas dos anos 1960 ou seus filmes radicais no grupo Dziga Vertov. Não estamos longe, em certo aspecto, da explosão anárquico-maoísta de Pierrot le fou (1965)u ou Week-end (1967), nem das palavras de ordem do Godard abertamente maoísta, ou dos experimentos com vídeo dos anos 70, e muito menos dos filmes de retorno ao cinema mais, digamos, convencional do início dos anos 80. Godard sempre trabalhou com uma complexidade derivada de sua fragmentação erudita, dos pedaços de livros citados, dos trechos de filmes colados, emulados (ou mesmo imitados), tudo em velocidade tão abusiva que desafia nosso completo entendimento. Os filmes desse período intermediário (1985-1987), após a estabilização de sua verve iconoclasta e antes do projeto Histoire(s) du cinémacinema(1988-1998), contudo, parecem mais soltos, menos pensados e mais naturalmente poéticos. Mais domésticos, enfim. Mas a simplicidade é apenas aparente. O que está por trás de alguns planos de Detetive é o mesmo caldeirão de citações e alusões que fizeram a fama do cineasta, camuflado por uma tinta de objetividade, tinta essa passada em uma única mão, facilmente removível.

Detetive começa promovendo uma associação com a fase de experimentações em vídeo, entre 1975 e 1978. Uma câmera de vídeo grava imagens de uma mulher, do outro lado da rua. Godard joga limpo desde o começo, deixando evidente que mostra uma imagem mediada, um registro interno ao filme. O que gravam os detetives no começo do filme? Um casal abraçado há horas? Não. Filmam uma mulher, Natalie Baye, uma mulher indecisa, diz Jean-Pierre Léaud. "Elle hésite, elle hésite", quando a própria imagem parece hesitar, indo aos socos, como se estivesse sendo analisada quadro a quadro. É o mesmo efeito que Godard usa à exaustão em Salve-se quem puder (A vida)(1979) e que voltará em outros momentos de análise do vídeo pelos detetives. O segundo plano do filme é a câmera de vídeo. Atrás da câmera, pernas de uma mulher. Somente quando essa mulher entra no quarto vemos Léaud, um detetive, e seu parceiro, Laurent Terzieff. Do que eles estão atrás? O que pretendem descobrir? Um assassinato? De quem, por quem?

Cai por terra a impressão de simplicidade. Se Godard ameaça fazer um filme de detetive, é importante que saibamos desde o início: será um filme de Godard, antes de qualquer outra coisa. Ou seja: mais um enigma. Um enigma que nasce das duas camadas com que Godard costuma trabalhar em seus filmes, digamos, convencionais: o fiapo de história e as ligações externas. E se o espectador viciado em entendimento procurar explicações para tudo, sua experiência ficará prejudicada. Porque é fácil entender o fiapo, desde que nos livremos das ligações. Mas o filme mistura as duas instâncias, então o sentimento de perda é inevitável caso escolhamos uma ou outra. Compreender totalmente uma instância só é possível se ignorarmos a outra. Além disso, o melhor de Godard é sempre a destreza na apresentação das ligações externas e no modo como essas ligações se articulam com a trama. São tantas as ligações, com diferentes níveis de codificação, que o exercício mental é tão prazeroso quanto o de se deixar levar pelas imagens (que aqui, mais do que em outros filmes, são muitas vezes desbotadas, propositalmente sem vida perto do habitual de Godard). A opulência visual é guardada para as cenas com o mafioso, interpretado por Alain Cuny, no que só pode ser uma brincadeira. O primeiro plano do mafioso é uma escandalosa plongée que preserva, do lado direito superior do quadro, um lustre antigo. Cuny, sua neta e o assistente ocupam praticamente o centro do quadro, e objetos de cena que sugerem um tradicional requinte compõem a atmosfera geral.

Nesse mundo de mafiosos, detetives, assassinatos, boxeadores, vítimas, estudantes e garotas sensuais (Julie Delpy e Emmanuelle Seigner), Godard move-se com a habilidade de sempre. O elenco é apresentado conforme aparece em cena: Terzieff, Léaud, Aurèle Doazan, como atores; Baye (que já havia aparecido, mas só no vídeo, em baixa definição), Claude Brasseur e Johnny Hallyday como estrelas. Estes três formam um triângulo amoroso, com Brasseur vivendo o macho impotente típico de Godard e Hallyday o amante. As pistas (falsas e verdadeiras) se sucedem para a manutenção do enigma: uma câmera de marca famosa, uma luta de boxe na TV, as habituais citações de livros e filmes, homens de cueca samba-canção, mulheres fazendo tarefas domésticas, um pequeno camundongo morto numa bandeja, Jean-Pierre Léaud tendo aparições fantasmagóricas (em uma delas ele se livra justamente da cortina branca que o escondia), uma clarineta fálica, o luminoso de uma grande empresa de vídeo.

Não um filme de detetives, mas um filme com detetives. Talvez o título seja justamente a necessidade de o espectador ser também um detetive, para juntar as pistas, analisá-las, descartar as desnecessárias e encontrar assim um sentido para o que vê. Ou seja, um típico filme de Godard. Por fim, uma tripla dedicação: a John Cassavetes, Edgar G. Ulmer e Clint Eastwood.

Sérgio Alpendre



Produção

Apoio

Correalização

Copatrocínio

Realização


Sugestão de Hotel em São Paulo, VEJA AQUI. Agradecimentos ao Ibis Hotels.


É expressamente proibida a utilização comercial ou não das imagens aqui disponibilizadas sem a autorização dos detentores de direito de imagem, sob as penalidades da lei. Essas imagens são provenientes do livro-catálogo "Godard inteiro ou o mundo em pedaços" e tem como detentoras s seguintes produtoras/ distribuidoras/ instituições: La Cinémathèque Francaise, Films de la Pléiade, Gaumont, Imovision, Latinstock, Marithé + Francois Girbaud, Magnum, Peripheria, Scala e Tamasa. A organização da mostra lamenta profundamente se, apesar de nossos esforços, porventura houver omissões à listagem anterior.
Comprometemo-nos a repara tais incidentes.

© 2015 HECO PRODUÇÕES
Todos os direitos reservados.

pratza