Grã-Bretanha/França, 1985, cor, vídeo, 52
Jean-Luc Godard e Anne-Marie Miéville conversam sobre seus filmes e sobre o cinema, enquanto realizam tarefas domésticas.
Soft: a natureza, um jogo de futebol televisionado, Anne-Marie Miéville andando na praia, montando um filme ou passando roupa, Godard brincando com uma raquete de tênis ou lendo trechos de livros, os sorrisos trocados entre os dois. Hard: Godard e Miéville discutem sobre filmes, opções de direção, recepção; discutem principalmente sobre Detetive(1984), o longa anterior de Godard. Soft: stills de filmes clássicos do cinema, quase todos em preto e branco. Hard: uma sensação de desilusão, morte do cinema segundo Godard, na imagem projetada na parede, da sequência inicial de O desprezo (1963), Raoul Coutard do lado da câmera; o casal provocando sombras por cima da imagem.
Soft and hard: os dois assinam a direção, como nos vídeos dos anos 1970, e logo apresentam um desafio ao espectador. Já iniciam o filme (também gravado em vídeo) com os dois falando ao mesmo tempo, não necessariamente um com o outro, enquanto letreiros aparecem e desaparecem sobre um fundo preto. Em cópias legendadas, o caos normalmente se instala. Isso dura uns três minutos (o filme tem cinquenta ao todo). Apenas aqueles que passam incólumes por esse início (hard) podem adentrar o universo doméstico e reflexivo do filme, a conversa que o casal terá em sua sala de estar. É como um convite, que aceitamos ou não, de acordo com nosso espírito na ocasião. Em se tratando de Godard, o melhor é sempre aceitar. Antes da conversa (que dura cerca de trinta minutos e vai até o fim do filme), as cenas domésticas, os pequenos afazeres, a curtição da natureza e a leitura.
Mas é aquela história: a fome de querer entender tudo faz com que não se entenda nada. Ao mesmo tempo, tudo parece possível de ser plenamente entendido ou interpretado. Mas a que custo? O melhor é se aproximar de Godard, sobrevoar suas ideias, deixar-se embalar pela associação (ou dissociação) entre sons e imagens, sempre com a consciência de que é muito difícil compreendê-lo integralmente. O que Júlio Bressane disse a respeito de seus próprios filmes não vale para Godard. Não somos nós que montamos os filmes de Godard, como montamos os de Bressane. Mas somos nós que elegemos o que pretendemos decifrar em cada visão. Daí a necessidade de rever, e rever mais vezes, deixando-nos levar primeiramente pelas imagens e pelos sons, sem pensar nas conexões. Daí também que Godard sempre cresce na revisão. As conexões chegam fragmentadas, mancas. Pois Godard é ao mesmo tempo esquemático e intuitivo. Antecipa Histoire (s) du cinémacinema (1988-1998) com as inserções de stills de filmes clássicos enquanto nos golpeia com afirmações e elucubrações. Às vezes sugere associações que só fazem sentido na sua cabeça, jogos associativos tipicamente franceses. Mas é instigante e estimulante tentar acompanhar o raciocínio. É como um mergulho na criatividade do artista.
Ele e a esposa conversam sobre as opções de Detetive e sobre cinema em geral. É uma forma, também, de prolongar a experiência de ver o filme. Como uma faixa de comentário, tão comum nos lançamentos em DVD, mas com imagens dos comentaristas. Godard, mais uma vez, na dianteira de seu tempo. Filme pequeno, pouco visto, mas extremamente importante para entender o percurso do diretor a partir de 1986.
Sérgio Alpendre
Produção
Apoio
Correalização
Copatrocínio
Realização
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