Era quando / Havia o que (homenagem a Éric Rohmer))
Suíça / França, 2010, vídeo, p/b, 3’
Utilizando títulos de textos de Éric Rohmer e fragmentos de memórias dos anos de cinefilia, Godard faz uma homenagem afetiva ao colega desde os tempos dos Cahiers du cinéma.
A homenagem geralmente aborda o homenageado recordando suas ações, palavras, histórias e casos íntimos. Ao engrandecer a persona pública, busca-se a especificidade e a especialidade dela para sua comunidade. Encomendado após a morte de Rohmer, C’était quand (hommage à Éric Rohmer) não abandona a homenagem, mas perverte as articulações que compõem o “cerimonial”. Como de hábito em sua obra neste novo século, imagem e som são tratados dialeticamente por Godard, numa retomada com novas estratégias da síntese socrática. Na primeira imagem, uma cartela preta com quatro versos, dois em letras brancas e dois em vermelhas, marca o gesto:
Era quando
Não
Havia o que
Sim
O jogo de oposições, em particular o binômio “não” e “sim”, pontua todo o filme. Enquanto a cartela preta com letras brancas traz títulos de textos de Rohmer, a narração de Godard descreve lugares, nomes e situações que remetem aos tempos áureos da cinefilia francesa nos cafés e cinemas do Quartier Latin. Entre uma frase e outra, ouve-se “não” e “sim”. Godard tenta relembrar os momentos de convivência, mas não consegue precisar todos os eventos. Maurice Schérer (nome verdadeiro de Rohmer) é essa figura que pisca indefinível na tela, tornada difusa pela ação do tempo e da memória em Godard, porém reconhecível por sua persona pública e sua contribuição ao cinema. Os títulos de seus textos usados no filme caem como uma luva para definir sua obra fílmica: um cineasta que abordou a música, o espaço, a pintura. Um clássico, como todo moderno almeja ser.
A homenagem de Godard torna-se, pela imprecisão e pela dialética, um ensaio memorialístico, da memória que laureia, mas ao mesmo tempo distorce: a imagem fora de proporção de Godard lendo o texto numa data muito anterior à morte do colega deixa um enigma tão instigante quanto insolúvel. A homenagem não fecha os sentidos sobre a vida e a obra de Rohmer, definindo-os pelo indefinível, deixando-os abertos ao percurso do tempo.
Raul Arthuso
Produção
Apoio
Correalização
Copatrocínio
Realização
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