PANORAMA DO BRASIL PARA PRIMO CARBONARI

Vera e Miguel Chaia

Este texto pretende trazer as grandes pistas da história brasileira que possam contribuir para uma melhor compreensão da produção cinematográfica de Primo Carbonari. Neste sentido foram selecionados temas e fatos históricos que pudessem auxiliar na elucidação dos documentários de Carbonari.

A estrutura do texto foi concebida a partir da idéia de montagens de temas, problemas, conjunturas políticas e seqüência histórica que possam dar uma panorâmica do Brasil entre 1930 e início dos anos 90. Como alguns destes aspectos são estruturais e percorrem o Brasil em todo o século 20, elegemos dois autores clássicos para elucidar o país: Sérgio Buarque de Holanda e Victor Nunes Leal, que trazem conceitos válidos até a contemporaneidade.

Ciclos Tropicais

A produção de Primo Carbonari parece fazer parte de uma tendência histórica brasileira que é a de realizar a sua produção em ciclos que parecem não ter continuidade. Assim temos o ciclo cinematográfico de Cataguases de Humberto Mauro, o ciclo da Chanchada, da Vera Cruz, do Cinema Novo. Também a história brasileira pode ser pensada em repetições ou ciclos que se esgotam em si mesmo.

Talvez no desencanto e no reconhecimento da especificidade deste tipo de história, que conhece "absurdos reais", Gabriel Garcia Marques tenha resumido, em seu livro, cem anos (de solidão) numa rápida fração de tempo. Ou talvez, este mesmo desespero tenha levado o personagem autoritário Porfírio Diaz, interpretado por Paulo Autran, líder da direita, de "Terra em Transe" (1967, direção de Glauber Rocha), a declarar raivoso "Aprenderão! Colocarei estas histéricas tradições em ordem. Pela força, pelo amor da força chegaremos a uma civilização". Esquerda e Direita defrontam-se com situações que contemplam ordem e caos, possibilidade de controle e descontrole absoluto.

Thomas Skidmore levantou a hipótese, em seu livro "De Getúlio a Castelo", de que o Brasil não consegue realizar os ciclos governamentais uma vez que, entre eles, se intercalam constantemente as crises de sucessões. Da pressão militar a impedimentos legais se constrói um espectro de fatores que dificultam, senão impedem as continuidades políticas democráticas. Sob uma outra perspectiva, Florestan Fernandes buscando elucidar o processo de implantação capitalista nas condições de subdesenvolvimento, apontou a dificuldade brasileira em realizar as revoluções burguesas, seja ela política ou econômica. Na sua análise, elucidou que estas revoluções não conseguem desenvolver uma dinâmica contínua, sofrendo constantemente interrupções, realizando ciclos abruptos e interruptos ou sofrendo sérias retrações políticas e econômicas. Daí a dificuldade do país em produzir os paladinos da civilização e em imprimir andamento contínuo para o seu processo de desenvolvimento.

Com certeza, depois de um breve sonho, acordamos para a realidade do nosso capitalismo: diferente, selvagem, desigual daquele sonhado. A cada ciclo que se encerra, após o interregno que dá início a outro, podemos constatar que convive com a história cíclica, uma tendência permanente - esta sim até agora imutável e que pode ser apreendida na observação de que vem se mantendo no Brasil a concentração da renda ou a radical desigualdade social. Enfim, na história brasileira descortina-se uma tendência, esta sim vem se mantendo constante, qual seja, o descaso para com o social.

A visão do Brasil por Sérgio Buarque de Holanda

“Raízes do Brasil” expressa uma dimensão social do país que se torna referência significativa para se construir uma primeira contextualização para situar os documentários de Primo Carbonari.

Para este autor, a história do Brasil possui como característica básica o fato de ter sido essencialmente agrária e, as nossas cidades somente apresentaram crescimento com o fim do tráfico de escravos. Cabe salientar que a estrutura da sociedade brasileira foi formada fora dos meios urbanos. Esta herança é tão acentuada que os proprietários rurais não tinham grande zelo pelas suas casas na cidade, sendo que muitas delas permaneciam fechadas a maior do tempo. No entanto o seu zelo era total pelas suas moradias rurais, onde os mesmo recebiam os seus hóspedes e ofereciam festas e banquetes. Cabe salientar que as nossas cidades eram de fato dependências das colônias. É possível afirmar que essa situação não se modificou na sua essência até a abolição da escravatura, e mesmo durante a monarquia, os fazendeiros escravocratas e os filhos de fazendeiros tiveram grande influência na política, economia e na sociedade em geral.

Após a proclamação da República houve um movimento muito forte de reformas rumo à modernização do país, surgindo um novo modelo econômico, com a criação do sistema de crédito bancário e de bancos, entre tantos outros avanços. Essas mudanças resultaram fatalmente no fim do antigo sistema rural e colonial, onde a riqueza tinha como base o trabalho braçal feito por escravos e na exploração indiscriminada das terras e da lavoura. Contudo, houve um preço a pagar por tamanha mudança, e o resultado natural foi o fortalecimento dos negócios conduzidos principalmente pelos especuladores financeiros que não tinham nenhuma raiz de caráter rural. Segundo o autor, a ansiedade pelo enriquecimento, estimulada pela facilidade do crédito foi uma marca desse período de grande prosperidade. Contudo a instabilidade das novas fortunas que podiam desaparecer ao menor vento contrário, fazia com que os saudosistas clamassem pelo velho sistema do Brasil rural. A lei Ferraz, de 1860, promoveu o arrocho do crédito e determinou o desastre comercial de importantes homens de negócios da época, como o Barão de Mauá. Desta forma, verificou-se a incompatibilidade de modelos copiados de outros países para serem introduzidos na nossa sociedade sem uma análise profunda das suas conseqüências.

Segundo Holanda, a colonização espanhola deu-se de forma oposta à colonização portuguesa, pela preocupação em assegurar o predomínio militar, econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas, construindo núcleos habitacionais bem organizados. As cidades espanholas eram construídas sob planejamento, padronizando-se o tamanho das praças e levando-se em conta as condições climáticas do lugar, sendo que muitos de seus povoados eram construídos em regiões onde a altitude lhes permitia condições climáticas semelhantes às da Espanha. Por seu lado, a colonização portuguesa foi basicamente litorânea e tropical, enfrentou diferenças climáticas brutais e manteve uma colonização marcada pela exploração e o abandono, portanto não se preocupando em construir. Segundo o autor podemos defini-la sob a ordem do “semeador e não do ladrilhador”. 

O Homem Cordial

Para Sérgio Buarque, no Brasil o sistema familiar é patriarcal e castrador, onde os filhos são educados apenas para o círculo doméstico. Contudo essa forma castradora tende a desaparecer mediante as exigências das novas condições de vida. Isso se torna evidente a partir do momento que muitos filhos ao se separarem dos pais tiveram de rever os seus interesses, atividades, sentimentos, crenças e até mesmo a escolha da profissão. Uma vez longe dos pais, os filhos tinham a oportunidade de conseguir um senso maior de responsabilidade que lhes permitisse enfrentar as exigências de uma sociedade de pessoas livres e de condições cada vez mais igualitárias. O público e o privado se misturam e era difícil para os detentores do poder público compreenderem a distinção entre os domínios do público e do privado. A escolha dos homens que iriam exercer funções no serviço público se dava mais pela confiança pessoal do que pelas suas qualificações técnicas.

O autor chama atenção para o grande sentimento de hospitalidade e generosidade, como sendo um traço marcante do caráter do brasileiro, sendo isto, de certa forma, uma herança dos padrões de convívio formados no meio rural e patriarcal. Além disso, o brasileiro apresenta algumas características peculiares como a forma gentil de reverência, o hábito de utilizar o “inho” como forma de expressar o diminutivo, para representar uma forma carinhosa de referir-se a pessoas ou mesmo a um santo. Salienta ainda a busca da aproximação das pessoas na forma de chamá-las pelo primeiro nome, desconsiderando o sobrenome, e não respeitando a hierarquia de forma disciplinada.

O Homem Cordial na visão de Sérgio Buarque caracteriza-se não por significar bondade, mas sim por possuir comportamentos de aparência afetiva, manifestações externas não necessariamente sinceras e profundas, práticas inadequadas às relações impessoais e valores de ação originadas na marca pessoal ou na intimidade dos grupos primários.

A visão do Brasil por Victor Nunes Leal 

Os documentários de Primo Carbonari trazem sempre como tema a elite brasileira e o Estado. Neste sentido, Victor Nunes Leal pode ser uma boa referência para se pensar o universo deste cineasta.

O trabalho de Vitor Nunes Leal é um marco no estudo de um fenômeno da política nacional chamado “Coronelismo”. Em sua obra intitulada “Coronelismo, Enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil”, o autor procurou fazer uma exposição detalhada de um tipo de organização política que predominou nas comunidades do interior do Brasil desde os tempos do Império até a República Nova. Foram mais de cem anos, períodos esses em que as pequenas vilas dos séculos XVII e XIX que se transformarão em cidades no século XX sofrerão com os interesses de uma política de centralização implementadas tanto no regime Imperial quanto no Republicano.
A sociedade brasileira, até a metade do século XX, caracterizava-se por uma atividade econômica agrária sustentada pelo regime de grandes propriedades rurais que construiu uma estrutura social com enormes dificuldades de acesso dos trabalhadores rurais, pequenos proprietários e todos aqueles que estavam fora das denominadas oligarquias regionais, de se inserirem nos processos de decisão política.

As lideranças políticas regionais e as elites oriundas dessa estrutura social e econômica, mesmo com o advento da República Brasileira, não foram capazes de investir nos mecanismo que a própria democracia oferecia e optaram por percorrer o caminho de valorização dos estados e de uma centralização das decisões políticas e conseqüente dependência dos governos municipais com os poderes dos governadores dos estados e o Governo Federal.

A unidade política mais importante, durante a República Velha e mesmo da nova República, sempre foram os estados. A elite política desse período acreditava que os governos locais eram incapazes de produzir ou mesmo gerar um pensamento político capaz de pensar a federação. Segundo elas a política local poderia produzir, no máximo, uma visão de sua estrutura social econômica e política limitada a essas regiões o que comprometeria a unidade da federação e as políticas nacionais.

O trabalho de Vitor Nunes Leal aponta para a importância  de uma estrutura agrária caracterizada pelos latifúndios que culminou em uma estrutura política capaz de produzir os “coronéis e os votos de cabresto”. As preocupações deste autor dirigem-se para indicar que no Brasil verifica-se: pouca participação popular; relativo artificialismo dos partidos políticos; separação político-eleitoral entre os grandes centros urbanos e os municípios e áreas rurais; política de ‘clientela’ x política ideológica.

Neste sentido, Victor Nunes conceitua “coronelismo” envolvendo a idéia de relação de dependência pessoal baseada na dependência econômica, imprimindo ambigüidade às leis brasileiras e às práticas desenvolvidas pela nossa população. Haveria uma mútua dependência entre coronel e governo, sendo a dotação de verbas do governo relacionada ao empreguismo e poder local dos coronéis.

Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954)

Getúlio Vargas é um dos protagonistas da Revolução de 1930 que destitui do poder o então presidente Washington Luís, dando início à Segunda República. Se na Primeira República predominaram os interesses do setor agrário exportador, voltado para a produção do café, representado pela burguesia paulista e parte da mineira, a Segunda República estará direcionada para criar as condições para a industrialização brasileira.
Assim, a Revolução de 1930 e, principalmente, o período do Estado Novo (1937-1945), deverão acionar esforços tendo em vista criar as estruturas para a produção industrial que não terá um desenvolvimento contínuo e regular.

Este período é marcado pela formatação do Estado brasileiro enquanto máquina administrativa, criando-se Ministérios com atribuições de constituir uma nova maneira de governar o Brasil e formas de controles das atividades da classe trabalhadora e das elites econômicas e empresariais. A montagem de um novo Estado, interventor, inclui a instalação de empresas estatais, como a Vale do Rio Doce, a Petrobrás, tendo como objetivo estabelecer bases infraestruturais visando o processo de industrialização no país. Neste momento são consolidadas as Leis Trabalhistas, o salário mínimo e criados os tribunais eleitorais e trabalhistas.

A política adotada por Getúlio, constrói um Estado centralizador baseado numa ideologia nacionalista e totalitária, visto que os partidos políticos foram eliminados, as lideranças políticas de oposição presas e as mobilizações populares só aconteceram sob orientação e permissão do Estado. Entretanto, este período conseguiu criar um Estado forte que teve como objetivo criar uma unidade e identidade nacional acabando com as disputas regionais e com os poderes dos chefes locais.

A área cultural ganha grande significação para auxiliar a engendrar esta unidade e identidade nacional. Para tanto foi criada a Voz do Brasil em 1935; o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), em 1937, voltado a promover e orientar a utilização da cinematografia como meio de educação popular; e o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), em 1939.

O rádio, implantado no Brasil nos anos 20, sempre foi utilizado pelos governantes para divulgar suas idéias e promover a integração do território brasileiro. O presidente Getúlio Vargas, ciente do potencial deste meio de comunicação, criou o programa “Voz do Brasil”, com o objetivo promover a integração nacional, criar uma identidade política e divulgar suas idéias políticas.

Vale a pena destacar que, em 1950, será inaugurada a TV Tupi, em São Paulo, dando continuidade à criação de uma estrutura de comunicação fundamental para o país. Cria-se, assim, uma tríade midiática que continua tendo grande importância política formada pelo rádio, cinema e televisão. No caso brasileiro, pode-se afirmar que a primeira característica dos meios de comunicação refere-se ao fato de que estes sempre serviram como moeda de troca, isto é, vem sendo utilizados politicamente, uma vez que a concessão de estações de rádio e televisão é prerrogativa do Estado.

Esta dimensão cultural, no caso brasileiro, é adensada com a valorização do futebol como representante, geralmente único, do esporte nacional.

Esta estrutura cultural se completa com a utilização política da música de Vila Lobos e da pintura de Cândido Portinari, criando as condições superestruturais para formar uma identidade nacional e controlar esteticamente o país. Experimenta-se coletivamente a exaltação de valores brasileiros, alcançando inclusive o folclore.

Desta forma, deve ser destacado a importância do projeto modernista, iniciado em 1922 e com auge na construção de Brasília, em 1960 (ver aprofundamento na parte sobre Juscelino Kubitschek, mais para frente). O projeto modernista apresenta-se combativo, aludindo a uma vontade de ruptura e portador de espírito inconformista, Este desejo de mudança ancorava-se na necessidade de transformações sociais, tendo por base o progresso e a modernização, sendo valorizada a produção industrial. Assim têm-se as idéias do novo e da indústria contra o primitivismo ou agrarismo. Este movimento encontra-se nas diferentes esferas das linguagens culturais, com ocorrências significativas na literatura, artes plásticas e arquitetura.

Desta forma, pode-se perceber a partir do Estado Novo a orgânica relação que se estabelece entre cinema e Estado, uma vez que as leis e instituições cinematográficas nascem da própria necessidade do Estado brasileiro em se organizar.

Pressões políticas crescentes e a organização de oposições contra o Estado Novo levam à queda da ditadura Vargas, em 1945. A partir deste ano, com o término da II Guerra Mundial e com a substituição do Estado Novo por um regime eleitoral, operado segundo a nova Constituição de 1946, tem início no país a definitiva emergência do setor industrial como a área mais dinâmica da economia brasileira.

Paralelamente detona-se um forte processo de urbanização no país estimulado também por um processo de migração interna: a população rural movimenta-se em direção aos centros urbanos.

A década de 50 marca um ponto de inflexão no processo de industrialização no Brasil, em decorrência dos seguintes motivos: o processo de substituição de importações atingiu o seu limite; dinamização do mercado interno em moldes autônomos e não mais referido ao exterior; incremento do processo de urbanização com a taxa da população urbana correspondendo o dobro da população total; e acentuação dos movimentos migratórios e com isso ampliando a mobilidade da mão de obra. Entretanto agravavam-se os desequilíbrios regionais, uma vez que a área mais industrializada do Centro-Sul se desenvolvia mais rapidamente do que o resto do país e, estruturalmente, seu crescimento fazia-se, em parte, às custas das áreas mais atrasadas. Tem-se, assim, a concentração regional de indústrias e um setor de serviços (comércio, finanças e cultura) que cresce ao redor destes pólos industriais do Centro-Sul.

Estão colocadas as condições econômicas e sociais para o surgimento das grandes metrópoles como São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. A cidade do Rio de Janeiro tem fortalecida a aura de Capital Federal, local de repercussão política e cultural para o resto do país. A bela Capital Federal (Bela Cap) torna-se um centro de unidade nacional, referência para os brasileiros de qualquer parte do território. Por isso, ela se torna palco de todo o ciclo da Chanchada, desde os musicais da década de 40 até as películas narrativas protagonizadas por Grande Otelo, Oscarito, Dercy Gonçalves, Eliana e Anselmo Duarte entre outros.

Nesta direção o Brasil vê surgir uma elite empresarial dinâmica, não apenas ligada à produção econômica, mas também vinculada à burocracia do Estado, na busca de favores que facilitassem a produção e distribuição econômica. Parece que grande parte dos documentários de Primo Carbonari se reportam às elites econômicas, políticas e culturais que começam a emergir com intensidade no Brasil.

Em outubro de 1950, Vargas, do PTB/PSD, retornou ao poder, agora pelas mãos do povo, obtendo 45,6% dos votos; Cristiano Machado, do PSD, com 20,5%; Eduardo Gomes, da UDN, com 28,4% dos votos.

Getúlio prosseguiu na sua política de promover a industrialização e também recorreu a novas temáticas que tornassem o nacionalismo populista mais atraente para as classes populares urbanas. Vargas suspendeu a exigência do atestado de ideologia para as direções sindicais, possibilitando, com esta medida, abrir espaço para os setores mais combativos do movimento operário. Para interpretar o último governo Vargas cunhou-se o termo “populismo”, significando discursos políticos e ideológicos para aproximar capital e trabalho, num sistema de governo voltado às massas dando a perceber a inexistência de conflitos entre classe operária e classe burguesa.

O governo de Getúlio Vargas foi marcado pelo trabalhismo, que significava uma valorização do trabalho, tendo em vista potencializar o desenvolvimento do capital. Neste contexto se colocam a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e a valorização do trabalho urbano-industrial (a valorização e proteção do trabalhador rural terá início somente com João Goulart e se definirá com o governo de Castello Branco). Paralelamente há a valorização do empresariado, simbolizado na coesão e na agressividade produtiva. Assim, neste período getulista dos anos 50, surgem tanto os grandes sindicatos, quanto as organizações empresariais como a federações industriais e os serviços patronais como a FIESP, SENAC, SENAI e SESI.

A continuidade desta etapa de industrialização será retomada por Juscelino Kubitschek, quando se adotará um padrão de industrialização baseado no investimento estrangeiro, centrado no parque automobilístico.

Nos anos 50, a imprensa escrita exerceu um papel muito importante, pois construiu e, principalmente, destruiu carreiras políticas. Havia um posicionamento político explícito a favor de determinados candidatos e lideranças. Isenção, neutralidade e objetividade eram palavras estranhas à imprensa daquele período, como, por exemplo, o jornal O Estado de S. Paulo, crítico ferrenho de Getúlio Vargas e de outras lideranças políticas que não expressavam o seu ideário político.

Neste contexto, de oposição ao governo Vargas, foi criado o jornal Última Hora (1951-1987), do jornalista Samuel Wainer, com o objetivo de defender Getúlio dos ataques de seus opositores. Vale destacar que este jornal só pôde ser implantado com a ajuda financeira do Banco do Brasil.

A campanha, “O Petróleo é nosso”, desencadeada pelo governo, tornou-se um grande símbolo do nacionalismo e das aspirações de desenvolvimento econômico no país.
Getúlio Vargas suicidou-se em 24 de agosto de 1954, em decorrência de instáveis conjunturas políticas, como o assassinato do major Vaz, crescimento da oposição udenista, simbolizada na liderança do jornalista e político Carlos Lacerda e de descontentamentos de alguns setores das Forças Armadas com a Aeronáutica.
O desenvolvimento capitalista prosseguiria, mas sem Vargas, fundado em outras bases políticas e outras configurações do nacionalismo.

Eurico Gaspar Dutra (1945-1950)

A vitória do General Dutra nas eleições de 02 de dezembro de 1945 vem reforçar os elementos de continuidade da política brasileira no pós-30.

Típico militar profissional, o general Dutra foi figura de destaque no processo eleitoral da década de 30 e nos desdobramentos que culminaram com o Golpe de Getúlio Vargas em 10 de dezembro de 1937.

Foi ministro da Guerra durante o governo de Getúlio Vargas, de 1936 a 1945. Sustentáculo do Estado Novo, Dutra ascendeu à presidência da República como expressão das forças políticas que se organizaram com a ditadura. Sua vitória resultou, dentre outros fatores, da eficiência da máquina estatal, através das interventorias.
Candidato pela Aliança PSD-PTB obteve 55,39% dos votos, seguido por Eduardo Gomes, UDN, com 34,74% e Yedo Fiúza, PCB, com 9,70%.

Sua presidência foi marcada por uma política econômica liberal, pró-americana e anticomunista. Após o exercício da presidência continuou exercendo influência até a conspiração militar que culminou com o Golpe de 64.

Manteve a Lei de Segurança Nacional e a Constituição de 37 como recurso de poder a fim de pressionar a Assembléia Constituinte. Seu governo foi marcado pela cassação do Partido Comunista em 1947. Desencadeou, a partir daí, cerca de 143 intervenções nos sindicatos – de um total de 944 existentes.

Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961)

Juscelino nasceu em Diamantina (MG), em 12/09/1902. Em 1934 se elegeu deputado federal e com o golpe do “Estado Novo” voltou a exercer suas atividades como médico. Somente em 1940 retomou suas atividades políticas quando foi nomeado prefeito da cidade de Belo Horizonte, por Benedito Valadares.

No final da ditadura varguista agrega o grupo fundador do Partido Social Democrata (PSD). Será eleito deputado federal para o período de 1946-50 e governador de Minas Gerais em 1951-55.Neste governo estadual Na prefeitura de Belo Horizonte, JK impulsionou a arquitetura modernista ao chamar Oscar Niemeyer para realizar a Pampulha. Este foi um contato fundamental para o projeto de Brasília.

Em 1955, Juscelino candidata-se à presidência da República vencendo o adversário general Juarez Távora da UDN, por uma pequena diferença: 36% a 30% dos votos. Outro candidato importante nesta eleição foi o ex-integralista Plínio Salgado, do Partido de Representação Popular (PRP), que obteve 8% dos votos.

Ao vencer as eleições, JK foi questionado pela UDN por não ter obtido a maioria dos votos, regra esta que efetivamente não existia na Legislação Eleitoral de então. Esta atitude golpista foi impedida pelo General Teixeira Lott, recém demitido do Ministério da Guerra pelo presidente em exercício Carlos Luz, pois o presidente Café Filho havia solicitado licença por motivos de saúde.

Durante o governo JK, o general Lott voltará a ser nomeado Ministro da Guerra. O governo de Juscelino será desenvolvimentista, implementando uma política sintetizada no Programa de Metas, buscando acelerar o desenvolvimento capitalista industrial contribuindo para mudanças significativas na sociedade brasileira. Seu governo será marcado pela criação de uma nova capital federal, Brasília, e pela implantação de um dinâmico parque industrial automobilístico. Estes dois empreendimentos serão possíveis graças à abertura do país ao capital internacional, por meio de empréstimos financeiros.

Brasília: a nova capital federal

Se o projeto desenvolvimentista de Juscelino concretizou-se no início da década de 60, os antecedentes do ideário de uma nova capital vem de longe: Francisco Adolfo de Vernhagen, Visconde de Porto Seguro, já havia cogitado uma cidade no planalto central do país; José Bonifácio de Andrada, o Patriarca da Independência, em 1823, indicou a necessidade da cidade; a Constituição de 1891 registra a fundação de uma nova capital; no governo de Getúlio Vargas, foi indicado um local indeterminado no planalto central para alocar a nova capital do país (Tal medida no governo Getúlio Vargas permitiu que Juscelino acelerasse a mudança da capital do Rio de Janeiro para Brasília. Ver a respeito Bomeny 2002: 205).

Brasília emergiu, assim, de um longo processo de afirmação do ideal de integração territorial e político do país, que se iniciou no período colonial, com a fuga da família imperial de Portugal e a instalação da Corte de D. João VI no Brasil, atravessou o Império, cuja política era calcada na proposta da centralização política pelo Poder Moderador e expresso na primeira Constituição Brasileira (outorgada) e alcançou a República, principalmente com o Estado Novo (1937-1945), quando Getúlio Vargas impôs a centralização política como estratégia de controle governamental.

Brasília, neste sentido, não só realizou a utopia da nova cidade e do novo país, mas também encarnou o andamento efetivo do projeto de integridade territorial e de integração nacional do país, diante do esfacelamento da unidade experimentada pela América espanhola. Brasília ganhou reatualização histórica ao ser incorporada como um elemento fundamental no modelo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek.

O nacional-desenvolvimentismo é uma política que se instaurou solidamente, no Brasil, durante o governo de JK, enfatizando a criação de um parque industrial, a formação do mercado interno e o vínculo com o capital internacional: os ingredientes considerados necessários para realizar o crescimento econômico do país. Juscelino Kubitschek implantou uma “experiência [que] resultou num governo politicamente estável, apesar de marcado por crises militares no começo e no fim do período” (Benevides, 2002: 23). Buscando neutralizar resquícios de crises políticas e militares anteriores, bem como aquelas que brotavam na sua gestão, a política desenvolvimentista de Juscelino incentivou não só a mobilização de recursos humanos e financeiros, mas também o apoio popular. Neste sentido, Juscelino afirmou enfaticamente a instauração do “novo” e a aceleração do tempo político, ao propor o desenvolvimento de cinco décadas durante o seu governo. Brasília foi a síntese perfeita destes objetivos. Uma nova capital como símbolo de um novo governo, de um novo começo e de uma nova nação.

Brasília é um projeto político composto por múltiplas facetas: incorporou o entusiasmo coletivo nacional; dinamizou o fluxo dos imigrantes trabalhadores atraídos pela construção da cidade; direcionou a vontade construtora de intelectuais e artistas; e incluiu na vida brasileira a sinalização de um futuro país mais justo e mais rico. Juscelino emergiu como o governante que propôs romper com os modelos do passado e potencializar o país para ingressar numa etapa moderna. Ao colocar a ação governamental em torno de um “novo começo”, Kubitschek armou um grande lance político: identificou seu governo com o esforço para construir de maneira particular o espaço público e traduziu a construção de uma nacionalidade cosmopolita e equiparável a parâmetros internacionais. No interior deste dinâmico movimento político pensado por Juscelino, Brasília era pedra fundamental, idéia nacionalista que convivia com as agitações culturais e ideológicas do período, personificadas pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), pelo CPC (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes que produzirá o filme “Cinco vezes favela”) e pelo ritmo da Bossa Nova.

A estratégia política de JK, portadora de um otimismo inovador, refletiu-se nos âmbitos da arte e da política, à medida que, “sem ignorar a relação ambivalente e por vezes precária, existente entre estética, técnica e política, torna-se necessário refletir sob o convívio da industrialização com a vanguarda artística promovida pelo discurso modernizador de Kubitschek. A arquitetura, em escala bem maior do que outras manifestações culturais representavam para o governo uma maneira visível e popular de novamente redefinir os conceitos de território e de apropriação na era moderna” (Souza, 2002: 109). Assim, o governo de JK irá surgir como sensível às manifestações populares e como articulador das expressões e desejos culturais engendrados por diferentes intelectuais, assumindo então a tarefa modernista de projetar uma nova capital. Deve ser ressaltada a maneira eficiente que levou JK a se apropriar da arquitetura tendo em vista armar uma estratégia geopolítica para o país.

Tal eficiência deveu-se muito ao governante, mas também à sua agremiação política. O PSD (Partido Social Democrata), partido de Juscelino Kubitschek, caracterizou-se como um partido de centro, que sempre buscava a “conciliação e moderação” (Hippolito, 1985) e o equilíbrio, possuindo membros e lideranças com experiência e, segundo analistas, com competência administrativa. Durante o governo de Juscelino, o PSD teve uma posição de centro e ajudou a promover e preservar uma estabilidade política, estabelecendo alianças com a UDN (União Democrática Nacional), o PSP (Partido Social Progressista) e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

Jânio Quadros (01/02/1961 a 25/08/1961)

Jânio Quadros foi um político eleito para quase todos os cargos do sistema político brasileiro. Exerceu o mandato de vereador, deputado estadual, deputado federal, prefeito da cidade de São Paulo, governador do estado de São Paulo e presidente da República. Foi um político com atitudes controversas, polêmicas, pouco afeito às organizações partidárias e vivenciou diferentes momentos na vida política brasileira atuando de forma paradoxal e ambígua. Seu estilo de liderança política foi marcado por algumas características singulares que o identificavam: autoritário, individualista, personalista e moralista.

Eleito pela UDN, JQ ficará somente seis meses na presidência da República.
A política econômica não contemplou todos os setores da sociedade brasileira, mas sim por ações improvisadas, visando efeitos imediatos. Sua política foi marcada por uma proposta antiinflacionária, realizando a reforma cambial, incentivando a entrada de capital estrangeiro no país, obedecendo a uma linha liberal na condução dos negócios públicos e privilegiando interesses econômicos ligados ao capital estrangeiro.

Jânio Quadros deixou marcas relevantes na história também por realizar reformas que visavam preservar a autonomia e independência do país, como a criação da Lei anti-truste, da Lei de Remessas de Lucro. Neste sentido sua política externa caracterizou por um caminho alternativo ao imposto pelos Estados Unidos da América do Norte, tentando aproximações com Cuba de Fidel Castro, a China comunista, o continente africano e a União Soviética. Seguindo esta política de exercício da soberania nacional, agraciou Ernesto Che Guevara, então ministro do governo cubano, com uma medalha do governo brasileiro. JQ defendeu a autodeterminação dos povos e enviou missões ao exterior para implantar uma nova política brasileira internacional. Negou apoio aos EUA quando este país pretendia invadir Cuba, com objetivo de desestabilizar a revolução socialista. Entretanto manteve boas relações comerciais com este país, conseguindo grandes empréstimos para seus programas de governo.

JQ realizou um governo excêntrico marcado por fatos como proibição de brigas de galo, lança-perfume, uso de biquíni nas praias e governando por “bilhetinhos”.

No dia 25 de agosto de 1961, JQ renunciava às suas funções de chefe de estado com a seguinte carta:

“Ao Congresso Nacional
Nesta data e por este instrumento, deixando com o Ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República”.
A atitude de Jânio havia sido bem articulada e premeditada, tudo indicando que desejava dar um golpe, voltando ao poder nos braços do povo e, com isso, assumindo maiores poderes para governar.

Brasília com Jânio Quadros

Após nove meses da inauguração de Brasília, Jânio Quadros assumiu a Presidência da República, em 31 de janeiro de 1961. Na Praça dos Três Poderes, Juscelino Kubitschek passou oficialmente o cargo ao presidente. Na festa de posse do governo, compareceram 1.500 pessoas vindas de várias partes do Brasil, mas eram oriundas, na sua maioria, de São Paulo, local político do novo governante. Naquele momento, Brasília tornou-se um radiante pólo político, repetindo a festa de sua inauguração. A cidade atraiu, então, a atenção do país.

A cerimônia de transmissão do cargo não foi tranqüila, pois Juscelino havia sido informado que Jânio Quadros faria um discurso extremamente crítico ao seu governo. Entretanto, as críticas ao governo de Juscelino somente aconteceram quando Jânio Quadros fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio, no programa Hora do Brasil. O novo presidente acusou Kubitschek de privilegiar certos grupos econômicos e políticos e de ter aumentado a dívida externa do país, entre outros aspectos, sendo que a cidade de Brasília era considerada um dos fatores importantes deste endividamento do país.

Ao se estabelecer em Brasília, a primeira reação de Jânio Quadros foi reclamar de seu isolamento na cidade, afinal, sua liderança surgiu em São Paulo e toda a carreira política (prefeito, deputado estadual e governador) havia sido construída naquela movimentada cidade. Jânio não conhecia as lideranças mais importantes em outros Estados da federação brasileira, seus interlocutores eram políticos de São Paulo e ele tinha pouca familiaridade com o Congresso Nacional, que havia sido composto em outro período eleitoral. Tais fatores fizeram com que Jânio Quadros se sentisse estranho e deslocado em Brasília, tanto que escreveu ao diretor-geral do Departamento de Correios e Telégrafos o seguinte ofício:

“Senhor diretor-geral:
Tenho notícias de que carta ou cartas dirigidas a mim foram restituídas à origem por não conhecerem, os agentes do Correio, o meu endereço. Fico sabendo agora, que o mesmo sucedeu com o Sr. Oscar Niemeyer.
Admito que os servidores ignorem quem somos e onde moramos, mas sugiro a V. Excelência recomendar, nesses casos e em casos semelhantes, interesse maior dos servidores na identificação e localização dos destinatários.
J. Quadros”. (O Estado de S. Paulo, de 06/07/1961).

Esta carta, com forte sentido irônico, reforçava a indignação e apreensão com relação ao seu isolamento em Brasília.

Quando exerceu o cargo prefeito da cidade de São Paulo, Jânio Quadros adotou um estilo de liderança política que o aproximava de setores da população, percorrendo os bairros da cidade para conhecer seus problemas e, quando foi governador, costumava visitar as diferentes regiões e cidades do Estado de São Paulo. Agora, como presidente, resolveu adotar uma prática semelhante, inventando o “governo itinerante”, que consistia em passar oito dias em cada Estado brasileiro. Assim, em vez de permanecer em Brasília, criou uma nova maneira de conhecer os problemas das diferentes unidades da federação e promoveu uma maior centralização do poder em suas mãos (Chaia, 1991: 204 a 208). Pode-se dizer que, com o governo itinerante, Jânio Quadros retirou, parcialmente, as funções de capital federal de Brasília.

Ao renunciar, em 24 de agosto de 1961, depois de permanecer no poder somente por seis meses, afirmou, ao sair de Brasília: “Maldita cidade! Ajude-me Deus a nunca mais precisar voltar a este inferno!” (A Tribuna, de 27/08/1961).

João Goulart (1961-1964)

Goulart começou a sua carreira política no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tendo sido Ministro do Trabalho no segundo governo de Getúlio Vargas e vice-presidente de JK. Foi eleito vice-presidente da República com Jânio Quadros, em 1961, pois na ocasião a chapa não era fechada, sendo que votava-se para os cargos independentemente da vinculação partidária. Assim JQ foi eleito presidente pela UDN e Jango eleito vice-presidente pelo PTB.

Por ocasião da renúncia de Jânio, Goulart visitava a China em missão diplomática. Os militares colocaram obstáculo ao retorno e posse de Jango na presidência, temendo que ele implantasse sua política nacionalista e trabalhista. As oposições militar e partidária (UDN) temiam que Jango implantasse, influenciado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, as denominadas Reformas de Base: Reformas agrária, bancária, fiscal e administrativa. Temiam também que radicalizasse a política externa independente.

Para defender a posse de Goulart, foi organizado um amplo movimento, liderado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul. A Frente Legalista conseguiu apoio de amplos setores da população e de alguns setores expressivos das Forças Armadas. Nesta crise de sucessão, o palco dos acontecimentos não se deu em Brasília, mas sim em outras regiões do país.

Várias negociações foram realizadas para o retorno e posse de Jango. Nesta direção o Congresso Nacional elaborou, com urgência, uma emenda constitucional instituindo um sistema parlamentarista, que visava limitar os poderes de Jango. Tancredo Neves, político mineiro do PSD, foi seu Primeiro-Ministro. Este novo sistema dificultou as ações de Goulart e inviabilizou o seu governo. Depois de uma série de negociações foi realizado um Plebiscito, no dia 06 de janeiro de 1963, sobre o sistema de governo. O resultado permitiu restaurar o Presidencialismo.

A reforma agrária adquiriu um significado político muito forte, encontrando fortes resistências dentro dos setores mais tradicionais da sociedade brasileira, que envolvia os proprietários de terra, as Forças Armadas, a Igreja Católica e empresários ligados ao capital internacional. O debate deste tema foi se dando num crescente, radicalizando posições. Assim, a mobilização popular foi uma marca deste governo, com movimentações de vários setores, incluindo eclosões de greves da classe trabalhadora, mobilizações das Ligas Camponesas. No interior das Forças Armadas, vários grupos se rebelam, como os marinheiros e sargentos, criando sérios atritos no interior da hierarquia militar.

Por esta ocasião, Jango promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural que estendia os direitos trabalhistas ao homem do campo.

O governo Goulart formulou e tentou colocar em prática uma política econômica planificada, sintetizada no Plano Trienal. Os pontos mais importantes deste plano eram a manutenção da taxa de crescimento do produto, a redução da inflação e das desigualdades regionais e a melhor distribuição de renda.

Jango também enfrentou oposições ao seu governo no Legislativo, principalmente através das ações da UDN que emperrou vários projetos enviados pelo Executivo.
Estavam criadas as condições necessárias para a derrubada de Jango. No dia 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto por um Golpe Militar.  

O Golpe de 1964 e os governos militares

As grandes manifestações contra o governo de Jango ocorreram em cidades no eixo Rio/São Paulo. A primeira manifestação “Marcha da Família, com Deus, Liberdade” foi convocada por setores conservadores e anticomunistas da sociedade brasileira, como a União Cívica Feminina, a Sociedade Rural Brasileira, entre outros, sendo realizada em São Paulo, sob a liderança de D. Leonor de Barros, mulher do então governador Adhemar de Barros, liderança política do PSP. O IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), criados pelos setores mais conservadores e com apoio dos Estados Unidos, também fizeram oposição ferrenha ao governo de João Goulart.

Por sua vez, João Goulart realizou, em 13 de março de 1964, um grande comício na Central do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, convocando o povo a apoiar as reformas de base, propagadas pelo seu governo. A anterior capital federal demonstrava ainda sua vitalidade política. Nesta mesma cidade, teve lugar um motim dos marinheiros, que se rebelaram contra as condições de trabalho a que eram submetidos por seus superiores. Os marinheiros rebeldes foram presos e, logo a seguir, Jango mandou soltá-los, provocando uma reação crítica das Forças Armadas, principalmente dos almirantes da Marinha Brasileira.

A destituição de João Goulart estava sendo articulada pelas Forças Armadas, com apoio dos governadores de São Paulo, Adhemar de Barros, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, com a presença da CIA americana e de outros políticos, como Carlos Lacerda, -governador do então estado da Guanabara.

Na madrugada de 31 de março de 1964, tanques do Exército ocuparam o Estado da Guanabara e, no dia 1o de abril, a zona sul da cidade do Rio de Janeiro também foi tomada. João Goulart, ao saber das manobras militares que estavam ocorrendo nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, saiu de Brasília, que não oferecia segurança ao presidente, por ser vulnerável às manobras militares, e partiu para Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Logo após sua saída de Brasília, o presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, do PTN (Partido Trabalhista Nacional), opositor de Jango, declarou vaga a Presidência da República e acusou Jango de deixar a nação acéfala, homologando com esta decisão o golpe militar. Ocorreram reações a favor do presidente, mas a então oposição conseguiu seu feito: destituir João Goulart da Presidência do Brasil.

Autoritarismo Militar

As características do autoritarismo implantado no Brasil pós-1964 iriam de encontro às peculiaridades encontradas na então incipiente cidade de Brasília: controle da mobilização; pluralismo limitado e estabelecido pelos governos militares; e poder exercido por um líder ou um grupo político, expresso pelos militares no poder. No caso específico da mobilização política, pode-se afirmar que esta era baixa e limitada, ocorrendo uma “despolitização da massa de cidadãos” (Linz, 1973), que eram chamados à participação somente em momentos cruciais do regime político. Este regime não possuía um elemento utópico e tendia a reduzir a política à administração dos interesses públicos.

O primeiro presidente militar a assumir o cargo foi o marechal Humberto Castello Branco, chefe do Estado-Maior do Exército, que recebeu apoio dos líderes civis e militares que atuaram no movimento para derrubar João Goulart do poder. Ele foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, adotando as seguintes decisões: cassação dos direitos políticos de diferentes setores da oposição, inclusive de militares simpatizantes de João Goulart; política estrita de estabilização e desenvolvimento; e determinação de manter uma imagem de “legitimidade democrática” no mandato presidencial, defendendo um mandato fixo e sem possibilidade de reeleição.

Castello Branco também adotou uma política externa anticomunista, estabelecendo fortes vínculos com os Estados Unidos apoiado e orientado por um governo central fortalecido. Defendeu uma democracia tutelada e enfatizou a possibilidade da adoção de soluções “realistas e técnicas”. Neste momento, foram justapostos o intenso sentido de ordenamento da metrópole modernista conforme concepção de Niemeyer e Costa e a racionalidade técnica-administrativa portada pelo regime militar pós-64.

O Ato Institucional nº 2 aboliu o sistema pluripartidário, instituindo o bipartidarismo, com a criação do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), formado por políticos que fizeram oposição ao golpe de 64, e da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), formada por políticos governistas. Havia, portanto, uma vida política consentida e implantada pelo governo militar.

Brasília era, naquele momento, palco de manobras militares, de desfiles comemorativos, mas não de manifestações populares, proibidas pelo regime militar. Um cenário urbano propício para as manifestações dos fechados costumes e rituais militares.

Em torno de 1965 o Brasil conhece o fenômeno midiático da Jovem Guarda, com Roberto Carlos e sua turma. Paralelamente a música popular brasileira (MPB) ganha destaque com a série de festivais de música da TV Record, projetando a cantora Elis Regina.

A partir de meados da década de 60, surge o Cinema Novo inspirado na produção de Nelson Pereira dos Santos e centrado nos filmes de Glauber Rocha, trazendo uma visão dos conflitos permanentes do país e realizando uma alegoria do nosso subdesenvolvimento.

Em seguida, mas durante o governo de Costa e Silva, aconteceram a proeminência na MPB das músicas de protesto (Geraldo Vandré, Sérgio Ricardo e Chico Buarque de Holanda), a vitalidade do teatro Oficina e Arena e a rebeldia e brasilidade do Tropicalismo com Hélio Oiticica, Caetano Veloso e Gilberto Gil.

O marechal Arthur da Costa e Silva elegeu-se presidente da República do Brasil em outubro de 1966, pelo Congresso Nacional, através da eleição indireta, pois fora suprimido o direito de voto do povo brasileiro. Logo após sua eleição, ocorreu uma reativação da discussão política, com grupos políticos oposicionistas se rearticulando e promovendo manifestações contra o regime militar. A UNE (União Nacional dos Estudantes) organizou grandes passeatas , em 28 de março de 1968, realizou uma manifestação no Rio de Janeiro, que foi reprimida por forças policiais, resultando na morte do estudante Edson Luís Lima Souto, no restaurante universitário Calabouço. Sua morte transformou-se numa bandeira de luta contra o regime militar brasileiro. Brasília parecia separada das dinâmicas e tumultuadas mobilizações que ocorriam na antiga capital federal, em São Paulo e em Minas Gerais.

O movimento operário se reorganizou e, em abril e julho de 1968, ocorreram as primeiras greves operárias no meio sindical nas cidades de Contagem, em Minas Gerais, e Osasco, em São Paulo. Uma parcela do movimento de esquerda se organizou e passou a confrontar as Forças Armadas e o movimento armado, destacando-se nesta luta as organizações ALN (Aliança de Libertação Nacional), liderada por Carlos Mariguella, VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), AP (Ação Popular) e o PC do B (Partido Comunista do Brasil), entre outras.

Por sua vez, a Igreja Católica mudou sua postura diante do golpe militar. Se antes deu apoio à derrubada de João Goulart, após o Concílio Vaticano II e a Conferência Geral realizada pelo Episcopado da América Latina, na cidade de Medellín, na Colômbia, adotou a Teologia da Libertação, que vê a história e a teologia pela ótica dos pobres e oprimidos, e assume uma resistência ao regime militar, apoiando e incentivando os movimentos populares.

Durante a gestão de Costa e Silva foi formada a “Frente Ampla”, composta por políticos cassados e antes adversários, como Juscelino, Jânio e Lacerda, que passam a atuar no sentido de pressionar para a volta da democracia no Brasil.

Ao lado desta movimentação, ocorrem vários enfrentamentos originados pela reorganização do movimento estudantil que se mobiliza em torno das seguintes bandeiras: questão do excedente nas universidades, contra o MEC-USAID e pelo reconhecimento das entidades representativas dos estudantes. As manifestações estudantis são violentamente reprimidas, provocando a morte do estudante Edson Luís, em abril de 1968, no restaurante Calabouço, na Guanabara. No estado de São Paulo, em Ibiúna, é realizado o 30º Congresso da UNE, ocasião em que centenas de estudantes são presos.

Também ocorrem confrontos entre a facção progressista da Igreja Católica e o governo militar, em Volta Redonda, em novembro de 1967, onde são presos sacerdotes e diáconos sob a acusação de desenvolverem atividades subversivas. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros) elabora um documento de solidariedade aos padres envolvidos.

O movimento sindical ressurge na região do Grande ABC, no estado de São Paulo, ganhando destaque através de duas greves que acontecem no ano de 1968, gerando primeiras condições para a emergência futura de um Novo Sindicalismo que surge sob o governo Geisel. Em Contagem, Minas Gerais, também aparecem movimentos grevistas e crescimento do sindicalismo.

O governo de Costa e Silva editou, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional nº 5, que fechou ainda mais o governo, ampliando o autoritarismo e a repressão e reduzindo radicalmente o uso do espaço público. Esta radicalização foi decorrente de confrontos direto com as manifestações de vários segmentos da sociedade brasileira e como resultado do caso Márcio Moreira Alves, deputado federal do MDB que fez uma declaração considerada ofensiva aos militares.

De modo geral, o caso do militarismo brasileiro é caracterizado como único, sui generis, pois, diferentemente de outros regimes autoritários instaurados na América Latina, não teve características estáveis e definitivas. O regime autoritário possuía um alto poder de transmutação, ocorrendo um processo de constante reestruturação do regime, expresso através de sucessivas alterações em algumas de suas esferas (Martins e Cruz, 1983), contendo dois aspectos aparentemente contraditórios: a “durabilidade”, isto é, continuidade de 21 anos dos militares no poder, sem promover alternância entre governo e oposição; e a “mutabilidade”, ou seja, constantes transfigurações, ora promovendo a liberalização, ora vigorando a repressão. O regime autoritário brasileiro conseguiu manter-se durante todo esse período exatamente pela capacidade de jogar com estes dois aspectos, conseguindo assim viabilizar por maior tempo a conservação do poder político nas mãos do grupo militar.

Transição e Abertura Política

Quanto à diversidade verificada na trama de relação entre diferentes tipos de poder, pode-se dizer que o autoritarismo brasileiro foi um sistema híbrido, pois atendeu aos interesses do capital oligopólio, representado pelas empresas multinacionais, fortalecendo a empresa pública e, ao mesmo tempo, ampliando a área decisória do governo e sua capacidade de controle sobre a sociedade civil. O Estado brasileiro fortaleceu-se às custas da sociedade civil, expandindo suas atividades e exercendo seu papel disciplinador e repressor. A coesão interna ao poder baseou-se, então, num “pacto de dominação” com a participação de funcionários públicos, da “burguesia de Estado”, do grande empresariado privado e de setores das “novas classes médias” (Cardoso, 1975). Este pacto se alternou de acordo com as especificidades dos governos militares e as políticas econômicas adotadas pelos diferentes governantes.

Sustentando uma tradição política brasileira de difícil equilíbrio entre os três poderes, no regime autoritário o Poder Executivo manteve a preponderância sobre o Legislativo e o Judiciário. Intensificando tal tendência, os militares governaram fazendo uso constante dos decretos-leis, além de baixarem atos institucionais e alterarem as regras do jogo eleitoral segundo as conveniências do poder central. Predominaram, desta forma, o casuísmo e o controle da participação política – então restrita a certos grupos e instituições, delimitados pelos próprios governantes. Portanto, o pluralismo foi limitado e a exclusão política foi uma constante, reduzindo ou eliminando os espaços políticos possíveis a oposições ou críticos do governo.

No caso específico do Brasil, a questão da transição começou a ser discutida em meados dos anos 70, com o processo de liberalização promovido pelo governo Geisel, sendo que a transição era entendida, de forma geral, como processo gradual rumo à democracia, com permanência de traços do regime anterior e criando condições de confrontos e lutas entre atores políticos diversos.

O general Emílio Garrastazu Médici foi eleito indiretamente pelo Colégio Eleitoral e tomou posse como presidente da República em 30 de outubro de 1969, governando até
1974. O AI 5 continuou em vigor e a Lei de Segurança Nacional foi endurecida, ao lado do decreto estabelecendo a censura prévia aos órgãos de imprensa.

O governo Médici foi marcado por uma série de obras de engenharia monumental, dentre as quais destacam-se a Rodovia Transamazônica, a Ponte Rio-Niterói e a construção da Perimetral Norte. Medidas que visavam defender a segurança nacional também foram adotadas, como a decisão da limitação das 200 milhas de mar territorial.

O Conselho Monetário Nacional adquiriu plenos poderes na gestão do Ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto, levando o Produto Interno Bruto (PIB) a crescer de 8,8% em 1970 para 14% em 1973, às custas do endividamento externo brasileiro. Foi a denominada era do “Milagre Brasileiro”.

O governo Médici realizou, através de sua Assessoria Especial de Relações Públicas, uma grande campanha visando construir a propaganda de seu governo. Neste sentido surgiu a mística do “Brasil Grande”, marcado pela intolerância e pela repressão: “Eu te amo meu Brasil, eu te amo...” e “Brasil – ame-o ou deixe-o”. Também foi durante o governo Médici que o Brasil tornou-se Tri-Campeão Mundial de Futebol, levando o país ao delírio. Esta vitória foi capitalizada por Médici que aprofundou suas ações repressivas, enquanto internamente exibia uma fachada social marcada por grandes realizações. Externamente denunciavam-se as torturas, prisões e desaparecidos pelas ações do regime militar.
Os serviços secretos das três forças se consolidaram e começaram a gerar organizações com autonomia própria, como foi o caso do CENIMAR, CIEX e CISA. Também neste período criou-se a Operação-Bandeirantes e o Doi-Codi. Alguns grupos empresariais auxiliaram o financiamento do aparelho repressivo. Paralelamente ocorreu um aumento das ações dos guerrilheiros, nos grandes centros urbanos e na Região Amazônica, que visavam desestabilizar e derrubar o governo militar. A repressão militar assassina lideranças de esquerda como Carlos Mariguella, Carlos Lamarca e Rubens Paiva. Continuando tais ações repressivas, tem início o cerco e posterior eliminação da Guerrilha do Araguaia.

Em 1974, Médici escolhe o seu sucessor, o então presidente da Petrobrás, Ernesto Geisel, da linha castellista.

O denominado processo de abertura política coincidiu com a crise econômica gerada pelo endividamento do governo anterior – do general Emílio Garrastazu Médici – e pela crise internacional causada pelo aumento do preço do barril do petróleo, associada à falência do “milagre econômico brasileiro”. Tal cenário gerou, conseqüentemente, desemprego e até mesmo um estremecimento de relações entre a burguesia nacional e a internacional, em face do processo crescente de estatização.

Conjugada a esses fatores destaca-se a crise de legitimidade do próprio regime militar, tanto que o processo eleitoral de 1974 é entendido como um significativo sinal de questionamento deste regime, acabando por se constituir em um plebiscito, em que os governos militares foram julgados negativamente. Naquela conjuntura política o grande vencedor foi o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que se transformou, legitimamente, no partido da oposição.

Também se destaca como condicionante da abertura política o posicionamento de determinados setores das Forças Armadas, ligados ao castellismo, que optaram por promover este processo de liberalização, visando recuperar o controle sobre as forças militares (Stepan, 1986), uma vez que proliferavam serviços secretos e aparatos para-militares, sem o consentimento do poder central. O então presidente General Ernesto Geisel, na verdade, preparava a saída dos militares do poder, de forma planejada, objetivando não prejudicar a imagem dos militares, evitando assim o que ocorrera em processos semelhantes em outros países da América Latina, onde a conceituação dos militares foi extremamente desgastada.

Rompendo os pactos militares com os Estados Unidos, Geisel assinou um acordo com a Alemanha tendo por objetivo dominar a indústria nuclear. Este acordo projetou a construção de oito usinas nucleares na região de Angra dos Reis. Também durante o seu governo ampliou-se a presença de militares em postos de comando nas empresas estatais e articulou-se os empréstimos estrangeiros a ambiciosos projetos como o Programa Nacional do Álcool.

João Batista Figueiredo governará entre 1979 e 1984 e, de imediato, irá se defrontar com a movimentação grevista no ABC paulista e que se estende para outras categorias de trabalhadores. Figueiredo, durante o seu governo, afirmou como prioridade o combate à inflação e o aumento da produção agrícola, para transformar o país num “verdadeiro celeiro do mundo”. Sua equipe contava com o general Golbery do Couto e Silva no Gabinete Civil, relevante figura na estratégia da transição política; Mário Henrique Simonsen no Planejamento; Antonio Delfim Netto na Agricultura; e Mário Andreazza no Ministério do Interior.

Sob o governo Figueiredo, realiza-se uma reforma partidária em 1979, no interior da qual nascem o PT (Partido dos Trabalhadores), o PFL (Partido da Frente Liberal), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PDT (Partido Democrático Trabalhista), entre outros.
Na seqüência do processo da “abertura política”, conforme cronograma militar da “transição gradual, lenta e segura”, Figueiredo é pressionado pelas dissensões dos setores empresariais que reagem contra a crise econômica e, na outra ponta, pela movimentação democrática dos setores do trabalho.

Durante o governo de João Baptista Figueiredo, colaborando para a distensão política, ocorre a Anistia Política, ainda restrita, trazendo de volta ao país Fernando Gabeira, Leonel Brizola, Miguel Arraes, entre outros exilados. Foi então que também voltou o “irmão do Henfil”, como cantou emocionantemente Elis Regina.

Tratava-se agora, de encontrar a fórmula para obter a maioria no Colégio Eleitoral, que abriria condições para um poder civil, nas eleições de 15 de novembro de 1982.

Associadas a todos esses fatores, ainda devem ser ressaltadas a organização e a pressão da sociedade civil brasileira sobre o regime militar, que significativamente também possibilitou o aceleramento do processo de abertura política, viabilizada, com graves problemas que indicavam retrocessos e ganhos que levavam a avanços, durante o governo do general João Baptista Figueiredo, o último representante dos militares no poder. Neste processo de formação de uma nova onda de resistência e de crítica ao governo militar.

Em 1984, com a “Campanha pelas Diretas Já”, Brasília e outras capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte alcançaram um novo patamar de uso do espaço público urbano. Com a transição política, nos anos 70, e a instauração plena da democracia, a partir da década de 80, o país abriu-se para a política nacional e ganhou referências institucionais para se medir a consciência cívica do país.
         
Em síntese, durante a década de 70 e começo dos anos 80, o regime autoritário brasileiro caracterizou-se como um sistema que fortaleceu o Estado, promoveu um projeto de desenvolvimento econômico visando favorecer as empresas multinacionais e a burocracia estatal, excluiu amplos setores da sociedade, limitou a participação política e controlou as ações do Legislativo e Judiciário. Neste quadro assim configurado, pode-se indagar ainda quais foram os traços autoritários que permaneceram neste processo de transição, já que, como se assinalou anteriormente, o processo representou avanços, mas também manteve traços anteriores.

Retorno Democrático e Governos Civis

A dupla Tancredo-Sarney foi vitoriosa no Colégio Eleitoral, reunido em 15 de janeiro de 1985, em eleição indireta contra o candidato Paulo Maluf. Embora o país tenha passado de um governo militar para um governo civil, com a eleição indireta da chapa Tancredo Neves–José Sarney, observou-se que a presença dos militares no governo Sarney foi uma constante. A morte inesperada do eleito Tancredo levou à presidência da República, o seu vice-presidente Sarney. Mesmo sob o governo civil, o grupo militar preservou suas prerrogativas (Stepan, 1988) e se manteve no novo contexto político da democratização, controlando todo o processo de transição, negociando, regulando e alterando as regras do jogo político.

Em sua gestão, o presidente José Sarney (1985-1989) negociou com políticos a ampliação de seu mandato (de 4 para 5 anos) e autorizou um enorme número de concessões de rádio e televisão. Emblematicamente, Antonio Carlos Magalhães (ex-governador do Estado da Bahia e atual senador da República) era seu secretário de Comunicações e coordenava todo este processo de concessões, conforme o documentário da BBC de Londres, Muito Além do Cidadão Kane, proibido naquele período de ser exibido no Brasil.

A agenda política de Sarney, cujo governo foi marcado por altos índices de inflação, estipulava a emenda da Constituição, prevendo eleições diretas em 1988 e a remoção do “entulho autoritário”. Neste período ocorreu uma ampliação do quadro partidário e uma liberalização para formação e ação dos partidos políticos.

Um outro aspecto que ainda caracterizou essa transição diz respeito à presença de atores marcadamente autoritários que se transmutaram em democráticos. Ou seja, o processo de democratização teve à sua frente atores que vivenciaram todas as vantagens que o poder propiciou e, como camaleões, se adaptaram às novas circunstâncias e se incorporaram ao sistema político. Isto implicou a preservação e a ampliação de práticas políticas perversas, como clientelismo, nepotismo, corrupção, manipulação e apropriação da “coisa pública”.

Fernando Collor de Mello (1990-1992) foi o primeiro presidente eleito pelo voto direto, tendo como vice-presidente o mineiro Itamar Franco. O primeiro ato do governo Collor foi o seqüestro de 80% da poupança privada da sociedade brasileira, em “cruzados novos”, e o retorno da circulação do cruzeiro. O criador do Plano Collor adotou diversas políticas de abertura da economia ao capital internacional e implantou, definitivamente, uma política neoliberal no país. Promoveu um processo de redução tarifária, determinou o fim da reserva de mercado na área da informática, encaminhou ao Congresso uma nova Lei de Patentes, deu início ao Programa Nacional de Desestabilização, flexibilizou a legislação que regulava o capital estrangeiro e deu acesso a linhas de financiamento de longo prazo das instituições financeiras públicas.

Com a política neoliberal, Collor jogou toda a responsabilidade sócio-econômica para o mercado, isentando o estado de maiores deveres. É neste período que ocorre a desestabilização do setor cinematográfico, com o encerramento das atividades da EMBRAFILME.

No decorrer do primeiro ano de administração, houve uma série de escândalos noticiados pela imprensa. O primeiro referiu-se à corrupção do governo no Projeto SOS-Rodovias em julho de 1990, orçado em US$ 500 milhões, que envolvia empreiteiras como a Odebrecht, a Gutierrez, a Tratex, entre outras. Em seguida, é deflagrado o escândalo das campanhas publicitárias sem licitação que contribuía com 20% para o caixa 2 do governo. A figura que articulava esta série de escândalos era o tesoureiro da campanha Paulo César Farias.

Sob o governo Collor desenvolveu-se uma relação promíscua entre imprensa e poder pode ser encontrada no livro Notícias do Planalto de Mário Sérgio Conti (1999), que relata todas as articulações da mídia com a ascensão e queda de Fernando Collor de Mello.

Com toda esta soma de escândalos, denúncias e irregularidades, tem início um processo de impeachment que culmina com a destituição de Collor e a cassação de seus direitos políticos por 10 anos.

Sob o governo Collor foi criada uma estética articulada em torno da música sertaneja (Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo), do “brega chique” e do pop internacional que invade o mercado pela abertura econômica propiciada pelo governante.
Assume a presidência seu vice Itamar Franco que governará até 1994. Sua grande realização será o Plano Real, tendo em vista a estabilização econômica criado e coordenado por Fernando Henrique Cardoso, então Ministro da Fazenda.

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WEFFORT, F. C. Por que democracia? São Paulo, Editora Brasiliense, 1984.

São Paulo, maio de 2006.

Vera Chaia e Miguel Chaia – são professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais e do Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Também são pesquisadores do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP e autores de vários livros e artigos sobre política brasileira e sobre a relação entre arte, mídia e política.

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