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A MULHER DO DESEJO (A CASA DAS SOMBRAS)
Ficção, 1975, 35 mm, Cor, 87 min

Depois do lançamento de Enigma para Demônios, Carlos Hugo Christensen voltou à histórica cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, para realizar outro filme de terror: A Mulher do Desejo (A Casa das Sombras). Filmado em 1975 e lançado dois anos depois, tem argumento e roteiro do próprio Christensen, com diálogos escritos por Orígenes Lessa, inspirado num apontamento de Nathaniel Hawthorne (1804-1864) e numa frase Samuel Taylor Coleridge (1772-1834). A exemplo do filme anterior do diretor, o ponto de partida envolve uma flor, nas palavras de Coleridge que inspiraram o enredo e foram inseridas na trama: “Se um homem atravessasse o paraíso num sonho e lhe dessem uma flor como prova de que estivera ali, e se ao acordar encontrasse essa flor em sua mão… que aconteceria?”

O filme conta uma história de assombração e possessão maligna que começa quando um jovem casal de Belo Horizonte –Marcelo e Sônia (José Mayer e Vera Fajardo)– recebe a visita do advogado do tio do rapaz, que ele mal conhecia. Osman, o falecido tio, um velho excêntrico e recluso, deixou para o sobrinho sua mansão e uma grande fortuna em dinheiro. O herdeiro, um simples bancário, e sua esposa, recebem a notícia com enorme surpresa; porém, o testamento exige que o casal se mude para Ouro Preto imediatamente e passe a ocupar a mansão, conservando-a como está.

Marcelo e Sônia são recebidos por um sinistro mordomo, que revela ao casal a quase obsessão do tio Osman por Sônia, a quem ele conhecia somente por meio das fotos do casamento do sobrinho. O velho, em seus últimos dias, só falava na moça e seu desejo era que ela ocupasse sua mansão depois que ele morresse. Mais tarde o casal descobre que Osman fora apaixonado por uma moça idêntica a Sônia, um amor não correspondido e com consequências trágicas. O mordomo também mostra ao casal o caixão aberto com o corpo de Osman, o qual segura uma orquídea nas mãos. O criado sinistro alerta os novos inquilinos e introduz o tema da mansão mal-assombrada: “Casa é que nem gente: gosta ou não gosta. Aceita ou se vinga. Casa tem alma.”

Christensen constrói com sutileza e extrema habilidade um ambiente opressivo, aterrorizante, tornando a casa viva, pulsante, com portas e paredes que rangem e estalam, um cenário inquietante, repleto de sombras animadas que se movimentam e absorvem mobílias e objetos. É um terror com atmosfera clássica –inclusive na trilha sonora, com música de Richard Wagner–, na tradição dos filmes norte-americanos e europeus da vertente gótica. As décadas de experiência de Christensen com filmes de mistério, suspense e horror psicológico certamente lhe deram o suporte necessário para manejar os clichês do gênero, realizando um dos mais elegantes filmes brasileiros de horror. Sua origem argentina –e a conhecida mentalidade europeia de seu povo– possivelmente influenciou na concepção da arquitetura barroca como o equivalente latino dos castelos e mansões góticas do horror internacional.

Depois de um pesadelo, no qual se defronta com o tio moribundo e caquético, que entrega uma orquídea para sua esposa, o sobrinho começa a se comportar de maneira cada vez mais agressiva e violenta. Como na frase de Coleridge, a flor entregue no sonho é trazida ao mundo real: o espírito do falecido, representado pela orquídea, apodera-se do corpo do sobrinho para seduzir a mulher dele, muito parecida com uma moça por quem o velho fora apaixonado há muito tempo. O rapaz adquire a personalidade e as feições do tio, deixando a esposa preocupada, até finalmente ela entrar em pânico e partir em busca de ajuda.

José Mayer, em início de carreira e muito expressivo, interpreta os dois principais papeis masculinos: o do diabólico tio Osman e o do jovem e inocente sobrinho Marcelo, que é dominado pela personalidade sombria no tradicional estilo expressionista do duplo maligno. Isso também espelha a estrutura de Enigma para Demônios, no qual Monique Lafond faz o papel da jovem ingênua e de sua falecida mãe, uma mulher má e promíscua, que também acaba possuindo seu corpo.

Durante o sepultamento do tio, o casal é abordado por um jovem padre, o qual faz uma oração cristã para encomendar a alma do falecido, contrariando as instruções do testamento de Osman, proibindo que houvesse qualquer cerimônia religiosa em seu enterro. Christensen, que refutava qualquer semelhança entre Enigma para Demônios e O Exorcista além do tema satânico, desta vez desenvolveu o roteiro de maneira que se aproxima mais do filme de William Friedkin: o padre católico é quem derrota o mal, numa solução maniqueísta, exorcizando Marcelo e expulsando de seu corpo o espírito de Osman. Os créditos de abertura informam que o filme teve consultoria de Dom Oscar de Oliveira, arcebispo de Mariana.

Originalmente, o filme realizado por Christensen era intitulado apenas A Casa das Sombras, mas no lançamento o nome teve de ser alterado depois que o filme House of Shadows, uma coprodução entre Estados Unidos e Argentina, de 1976, foi lançado no Brasil como A Casa das Sombras. Christensen então optou por um título mais sugestivo, quase de pornochanchada (A Mulher do Desejo), mas manteve entre parênteses o título original. O diretor chegou a anunciar que concluiria sua trilogia de terror ainda em 1975, com o argumento de Anjo de Setembro (ou Enigma para Assassinos), porém seu próximo filme só viria três anos depois, o suspense policial A Morte Transparente.

Carlos Primati



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