Portal Brasileiro de Cinema / Carlos Hugo Christensen APRESENTAÇÃO   DEPOIMENTOS    FILMES    ENSAIOS    FICHA TÉCNICA    FILMOGRAFIA    PROGRAMAÇÃO    CONTATO

CRÔNICA DA CIDADE AMADA
Ficção, 1965, 35 mm, Cor, 110 min

Crônica da Cidade Amada foi o quinto e último filme “celebratório” de Carlos Hugo Christensen após sua vinda definitiva para o Brasil, feito em seguida a Meus Amores no Rio (1958), Matemática Zero, Amor Dez (1960), Amor para Três (1960) e Esse Rio que eu Amo (1961). Se um espectador incauto assistisse apenas a estes trabalhos “amorosos” dirigidos pelo realizador argentino, teria a impressão bastante distorcida não apenas de seu talento e capacidade criativa (que, entre um filme e outro desta relação, têm pouquíssimas variações), mas especialmente do que era o Rio de Janeiro na primeira metade dos anos 1960. Tributos à Cidade Maravilhosa, os cinco longas-metragens constroem um cenário idílico e utópico tanto da geografia e do cotidiano da capital carioca como das pessoas que nela vivem e convivem.

Nesse sentido, Crônica da Cidade Amada, homenagem aos 400 anos do Rio, é uma espécie de súmula de uma paixão declarada e explícita. Com participações diretas do escritor Orígenes Lessa e do jornalista Millôr Fernandes no roteiro, Christensen adapta 11 textos de renomados cronistas que retrataram aspectos locais inusitados, nostálgicos ou afetuosos. Os autores são Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Dinah Silveira de Queiroz, Paulo Rodrigues e o próprio Orígenes Lessa. Somados à narração de Paulo Autran, à música de Taiguara e às participações especiais no elenco de Grande Otelo e Oscarito (ainda que não contracenem juntos, é o reencontro da dupla num mesmo filme desde Matar ou Correr, de 1954), tem-se um vasto painel de referências, homenagens e tributos à cidade.

O filme não esconde o caráter quase institucional desde os primeiros minutos, com um texto lido por Autran sobre os elementos mais conhecidos da mítica carioca (mulheres, beleza natural e samba), enquanto mostram-se imagens de pontos conhecidos e turísticos. Em cada segmento, Christensen cria brincadeiras narrativas no intuito de potencializar a leveza do relato, ora apresentando a historinha como um chiste (O Índio e Iniciada a Peleja), ora como comédia de costumes (O Homem que se Evadiu, A Morena e o Louro), um conto ilustrado por imagens em movimento (Receita de Domingo) e até um exercício de plano único (Luzia). Chega-se ao paroxismo em O Pombo Enigmático, no qual o áudio dos diálogos de um jovem casal em crise é substituído pelo arrulhar de pombinhos brancos, e o arrulhar dos pombinhos brancos é dublado por vozes de atores.

Ainda que todos os relatos, sem exceção, tenham desfechos conciliadores, dois se destacam pela abordagem direta de uma intransponível separação de classes –apenas ensaios, porém, de olhares mais diretos e perturbadores em títulos da mesma época, como Rio 40 Graus (1955), de Nelson Pereira dos Santos, e Assalto ao Trem Pagador (1962), de Roberto Farias. Em Mal-entendido, um garoto branco e rico fica enciumado porque o amiguinho negro e pobre joga muito melhor futebol do que ele, no que se chega a um diálogo antológico entre os dois dentro de uma limusine. Um Pobre Morreu, por sua vez, tem Grande Otelo reencarnando o típico malandro do morro, espécie de Zé Carioca em carne e osso, aqui às voltas com a tentativa de levantar dinheiro na favela e ajudar a dar um velório digno a um colega recém-falecido.

Esta dupla de histórias destoa das demais especialmente pelas paisagens da periferia e por, mesmo dentro de um mecanismo bolado pelo filme para que tudo sempre termine bem, mostrar personagens enfrentando obstáculos criados não diretamente por eles mesmos, mas pelo abismo social inerente e inseparável do desenvolvimento histórico de todo o país. Nesses rápidos segmentos, surgem as fissuras que Crônica da Cidade Amada parece não se interessar em aprofundar (até pela natureza do projeto), mas que se fazem presentes por estarem imiscuídas na própria noção de comunidade que o filme quer retratar com assumido carinho e alguma dose de inocência. Crônica da Cidade Amada é um conto de fadas e, como tal, guarda alguns de seus segredos mais selvagens na borda do relato.

Marcelo Miranda



Produção

Apoio

Patrocínio

© 2015 HECO PRODUÇÕES
Todos os direitos reservados.

pratza