APRESENTAÇÃO
Eugênio Puppo
COMO PENSAR O HORROR NO CINEMA BRASILEIRO?
Laura Cánepa
SANGUE, SEXO E RISO: ESPECTROS DO HORROR NOS FILMES BRASILEIROS
Carlos Primati
APRESENTAÇÃO
Eugênio Puppo
O gênero de horror no cinema, apesar de ter motivado milhares de filmes, não é fácil de definir. Nessas obras, geralmente, uma força maléfica desestabiliza a normalidade corriqueira do mundo real.
Para selecionar filmes que representem o horror no cinema brasileiro, antes é essencial elucidar o que é “horror”. Na linguagem cinematográfica, pode ser definido como uma narrativa de ficção na qual o drama se desenvolve a partir da presença em cena de uma força maléfica, em geral representada por algum tipo de monstro. Este pode ser tanto sobrenatural ou racionalmente incompreensível quanto uma ameaça natural que apresente níveis de violência e agressividade incomuns; os personagens centrais, via de regra, são animais assassinos, em algumas ocasiões transformados por meio de mutações ou experiências genéticas.
O mal é representado por uma figura atemorizante: fantasmas, lobisomens, vampiros, zumbis, múmias, animais excessivamente agressivos, extraterrestres. Não é raro que o “monstro” também seja humano: serial killers, psicóticos e desajustados, cujas motivações para matar são injustificáveis do ponto de vista racional. Representam outra vertente do gênero (referida como “horror psicológico”) as perturbações mentais que resultem numa distorção da realidade e consequentemente originem sensações de pavor e perigo.
O objetivo central do horror é, em última análise, causar espanto e medo por meio de situações de pavor vividas pelos personagens. Mas trata-se de um gênero em transformação, em que há também lugar para o suspense, a fantasia, a ficção científica e até para a comédia, a sátira e o deboche.
Ao longo de mais de cinco anos estive envolvido em uma pesquisa em torno do cineasta José Mojica Marins que culminou com a realização de uma mostra de filmes, a edição de um livro, uma exposição e a finalização de um filme inédito, A praga, quando ampliei consideravelmente as informações relacionadas ao universo do horror em nosso cinema. Foi então que assisti a diversos filmes de outros diretores que flertaram com o gênero – Walter Hugo Khouri, Carlos Hugo Christensen, Jean Garrett, John Doo, Ody Fraga –, entre outros. Ficou o desejo de realizar um projeto que ampliasse ainda mais essa pesquisa iniciada com Mojica, em 2002. Por outro lado, me preocupava levá-lo adiante dada a quantidade de informações disponíveis, normalmente publicadas sem o devido cuidado, e do desdém para com a preservação dessas informações e filmes por parte, muitas vezes, de seus próprios realizadores. A maioria das informações relativas a essa filmografia trazia muitas contradições, e algumas vezes o que se sabia não era sequer suficiente para se fazer simples menção em novos textos.
No início de 2008, o pesquisador Carlos Primati propôs que fizéssemos uma mostra de filmes que tivesse como base a pesquisa que ele desenvolve há mais de quinze anos, e que consiste em assistir sistematicamente e catalogar filmes brasileiros que se relacionem de alguma forma com o gênero de horror. Primati me apresentou Laura Cánepa, que acabara de defender sua tese de doutorado na Unicamp, intitulada “Medo de quê? Uma história do horror nos filmes brasileiros”. A lista de filmes que eles me apresentaram trazia mais de duzentos títulos. Então, começamos a assistir e reassistir esses filmes, que não estavam diretamente associados ao gênero horror, mas que poderiam ter elementos que justificassem sua inclusão na mostra. Devido às dificuldades em identificar elementos que justificassem a inclusão de determinados filmes, propus cortes em diversos títulos desta lista, e decidi pela inclusão, neste livro, da filmografia do horror brasileiro, na qual diversos filmes foram eliminados e outros incluídos. Havia casos de filmes inspirados na história de assassinos em série, o que aparentemente já justificaria a inclusão do filme neste panorama, mas uma vez que os assistimos, foi possível verificar que não havia nessas obras elementos claros que justificassem sua inclusão na filmografia. Vale ressaltar: a lista da qual partimos continha mais de duzentos títulos, mas no “Panorama do horror brasileiro”, na página 50, constam apenas 144.
Este livro-catálogo contempla boa parte das mais importantes manifestações do horror no cinema brasileiro. Não se restringe, porém, a esse gênero, abrindo portas para filmes que flertam com ele ou trazem elementos fortes de terror, apesar de se enquadrar em outras classificações de gênero.
Editado por ocasião da mostra Horror no Cinema Brasileiro, este livro-catálogo contém ensaios, artigos assinados por críticos e uma extensa filmografia, textos que contemplam obras de mestres do gênero, como José Mojica Marins, Ivan Cardoso, Fauzi Mansur, entre outros, além de informações sobre filmes de autores e produtores, como Luiz de Barros, Amácio Mazzaropi, Domingos de Oliveira, Julio Bressane, Elyseu Visconti, David Cardoso, entre outros, que se dedicaram a experimentar, ampliando os limites consagrados da filmografia brasileira.
A mostra de filmes traz uma vinheta produzida especialmente para a ocasião a partir de cenas inéditas do filme inacabado Sentença de Deus, rodado entre 1955 e 1956 por José Mojica Marins, 25 longas-metragens selecionados, entre clássicos e raros, e um filme inédito, O Maníaco do Parque, de Alex Prado, filmado em 2002 e finalizado em 2009 pela Heco Produções, que lança o longa exclusivamente dentro da programação da mostra. Trata-se de uma cinebiografia de Francisco de Assis Pereira, o motoqueiro que assassinou brutalmente diversas vítimas inocentes em um parque estadual na cidade de São Paulo.
O projeto Horror no Cinema Brasileiro teve como objetivo central dar uma contribuição séria e consistente a um gênero desprestigiado, mas que interessa diretamente à Heco na medida em que alguns desses filmes constituem marcos do cinema brasileiro. Nele, contamos com o fundamental apoio da Cinemateca Brasileira, que tem em sua missão o fundamental papel de preservar e difundir o cinema nacional, sem o qual não teríamos conseguido alcançar voos mais altos.