A FORÇA DOS SENTIDOS
1979, SP. Cor. 100 min. Direção: Jean Garrett

A imagem de um entardecer apresenta os créditos iniciais do filme, para em seguida sermos lançados em uma espécie de umbral, onde figuras fantasmagóricas se movem em um cenário de sombras e opacidade de teias de aranha.

O que vemos nessa abertura de A força dos sentidos é o lamento de um homem que já não suporta ver um cadáver cujo rosto ele nunca enxerga, e que é trazido todas as noites por um pescador. Imobilizado, preso nesse umbral, o que surge em seguida é a história desse homem: Flávio, um escritor que chega a uma ilha para buscar inspiração para sua nova obra.

Com belos movimentos de câmera, vemos o encontro de Flávio com a misteriosa Pérola, interpretada por Aldine Muller, uma jovem surda e muda que se torna uma obsessão para Flávio. A atmosfera de mistério e ambiguidade ganha cada vez mais intensidade quando o escritor passa a interagir com os outros habitantes da ilha, seres de comportamento estranho que parecem viver um caso de dupla personalidade. Durante o dia são calorosos e amistosos, e durante a noite, frios e misteriosos. As mulheres se entregam a Flávio com uma volúpia fora do comum.

Destaque absoluto para uma sequência em que a ótima direção de fotografia de Carlos Reichenbach cria uma composição de uma mulher transando com Flávio, na qual ela está sobre ele, com uma lua cheia no mesmo enquadramento, lembrando muito uma composição de HQ e remetendo diretamente a uma sequência de Dellamorte dellamore, de Michele Soavi, em que um casal transa sob um túmulo.

O amanhecer traz uma espécie de amnésia para todos, que nunca se lembram o que aconteceu na noite anterior, principalmente as mulheres que transam com Flávio. A descoberta de um pacto de morte entre um casal que viveu antigamente na ilha reforça todo o clima mórbido e surreal que a introdução do filme já anuncia. A recriação de temas clássicos das narrativas góticas é muito bem trabalhada no roteiro.

Existe o tema do amor além da vida, da necrofilia, das heroínas ambíguas, das imagens fantasmagóricas e da eterna condução do protagonista até o abismo por sua amada morta, que retorna do Além. No papel de Flávio, o escritor/narrador do filme, o ator Paulo Ramos. Do elenco feminino se destaca, além de Aldine Muller, atrizes conhecidas como Elizabeth Hartmann.

Marcelo Carrard