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O DESPERTAR DA BESTA
1969-1983, SP. P&B/Cor. 91 min. Direção: José Mojica Marins

Renomado psiquiatra participa de um programa de televisão no qual tenta justificar as experiências com LSD que realizou com quatro voluntários. O cineasta José Mojica Marins também está no debate, pois seu personagem Zé do Caixão foi escolhido pelos viciados como tema comum a todos eles para avaliar os efeitos alucinógenos da droga.

Depois de sacudir o marasmo do cinema brasileiro com as barbaridades de Zé do Caixão, irritando críticos e censores, José Mojica Marins empenhou-se em realizar seu filme mais poderoso. Ritual dos sádicos, depois transformado em O despertar da besta, pela primeira vez colocou em cena criador e criatura, confundindo o real e o imaginário. Metalinguístico, autoindulgente e impetuoso, o filme transforma egotrip em bad trip, empilhando episódios depravados e denunciando uma sociedade decadente em todas as suas classes.

Ao imputar à violência urbana cotidiana a inspiração de seus horrores, Mojica responde às acusações de seus detratores e traz à tona todo tipo de maldade humana, mesmo aquela que permanece adormecida no subconsciente do cidadão de bem. Mas não devemos nos iludir: ainda que se proponha a desvendar a origem do mal, é um filme que olha para o próprio umbigo. É, acima de tudo, uma obra sobre o processo da criação artística, indisciplinado e mutável, no qual o cinema destemido de Mojica não teme nem sequer os programas sensacionalistas que malhavam o cineasta na televisão. Antropofágico, genial e atemporal, pode ser visto como um filme-síntese dos princípios tropicalistas da época – propõe a fusão de todas as mídias – da TV às HQs; do teatro à música – e traz até uma marcha carnavalesca que fala de “Frankstem” [sic]. Fascinante e encantador em seus defeitos (basta uma cartolina com a palavra “contador” rabiscada para identificar um escritório de contabilidade), O despertar da besta retorna às telas em toda a sua glória, desta vez numa cópia restaurada pela Cinemateca Brasileira.

A suposta mensagem final – afrouxar a vigilância aos viciados e intensificar o combate aos traficantes – tenta demonstrar alguma preocupação social. Mas é improvável que alguém realmente se importe com isso. O recado subliminar é muito mais poderoso: quem precisa de tóxicos, quando estamos todos entorpecidos pelo poder avassalador de Zé do Caixão?

Carlos Primati



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