Portal Brasileiro de Cinema Milton Nascimento
Milton Nascimento Tenho muitas lembranças de Leila. Umas engraçadas; outras, emocionantes. Mas todas lindas. Principalmente quando ela estava grávida de Janaína. Foi a época mais bela. O que ela curtia deixava todos os seus amigos com uma lágrima pronta para cair. E ela, renovando sem querer chocar. Mas ir de biquíni à praia com aquela barriga, deu muito o que falar. Hoje, já é uma coisa normal. Naquele tempo, meu Deus, parecia algo que nem sei explicar. Barriga de fora, na praia!!! Ela morava num condomínio perto da Barra. Aos sábados, com uma perna quebrada, ela pegava seu jipe e vinha fazer compras nos supermercados. Me pegava no Leblon e aí começava a parte engraçada. Ela, famosíssima, e eu, não tanto. Então fazíamos um "teatro". Ela era a Dondoca e eu, o Empregado. Se transformava na patroa mais horrível e eu, o pobrezinho que tinha que agüentá-la. Pegava o carrinho e dizia, por exemplo: "Pegue uma dúzia de tomates". Eu ia. Quando voltava ela dizia bem alto: "Isto é tomate que se apresente? Ó meu Deus, esses empregados de hoje...", e saíamos fazendo essas coisas o tempo todo, e ela nem se importava com o que as pessoas pensassem. Tudo o que eu pegava tinha que devolver e pegar de novo. Eu via a cara de todo mundo e tinha que disfarçar o riso. Acho que era uma verdadeira aula de teatro. Todos os sábados. Depois de toda aprontação, subíamos para sua casa comentando os acontecimentos. Ela era casada com Ruy Guerra, que além de seu marido dirigiu o show do Clube da Esquina, no Teatro Fonte da Saudade. Aí vinha a terceira fase daquela linda mulher e eu. Uma das músicas do show era Sinharê ou Venha ser Feliz, de Edu Lobo e G. Guarnieri, e, todos os dias, com uma veste cheia de panos, ela não conseguia ficar sentada durante o show e dançava, dançava e embelezava muito mais o teatro, o cenário, a direção e nossos cantos. Era demais para meu coração saber que aquela deusa era minha amiga. Um dia, nasceu Janaína. Então os seus olhos brilharam como a Via Láctea. E vinha dançar. Fiquei doente e voltei para minha cidade e para meus pais. Pra me curar. Um dia, meu primo Jaka veio me dar a notícia. Eu, de cama, por muito tempo achei que fosse mentira. Soube depois que ela deveria ter vindo noutro dia, mas a saudade da filhinha foi tanta que ela antecipou o vôo, acho que da Grécia. Prá nunca mais. E eu me lembrava de tudo o que vivemos. Um dia dois cineastas novinhos me chamaram para fazer a música de um documentário sobre ela. Gostei, tinha que ser eu. E foi tão forte, que compus as canções enquanto via as imagens na tela. E tudo saiu de primeira. Inclusive uma que, mais tarde, gravei no disco Minas. Era a imagem que eu tinha dela, que guardei e quis passar. Ela! Leila (venha ser feliz). Aquela alegria que ultrapassou qualquer lembrança triste. Ela dançando. Dançando no documentário, no disco Minas e em tudo mais. Dança até hoje no meu coração. E se reflete quando Janaína e eu nos encontramos. Eu estava para outros lados, quando um dia Ruy Guerra me passou um pito, dizendo que a menina sempre perguntava por mim. Fui logo que pude, pois a última vez que a tinha visto, ela estava com meses. Era um beijo, um abraço, um sentimento que Leila deixou pra mim. Quase não pude acreditar. E foi lindo nosso reencontro. Um dia, estava em Curitiba numa festa, quando comecei a sentir umas coisas. A festa estava cheia. Pedi a um amigo pra pegar papel e lápis, e que arranjasse um gravador, pois tinha que escrever uma coisa. E naquela hora. E fiz uma música em cima de um de seus poemas. E botei o nome de Um cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco. O poema está no meu disco Sentinela. Tão bonito quanto ela. |