Nenê

 
 

Eu trabalhava na Excelsior quando encontrei Leila Diniz. Na época eu era camareira, comecei assim porque queria entrar de qualquer jeito nesse meio – camareira, contra-regra, figurinista, todas as coisas eu fiz. A gente acabou se conhecendo, eu a via na TV e dizia: "Ainda vou conhecer essa mulher". A Excelsior acabou mas eu comecei a cuidar das coisas dela, comecei realmente a trabalhar para ela, que morava no Hotel Danúbio quando vinha para São Paulo. Leila era muito dada, saía na rua e falava com todo mundo, ia para bar, pra lá e pra cá... Então eu era um tipo de secretária que organizava as coisas e que cuidava dela. Trabalhar, viver com a Leila foi uma bênção de Deus.

Quando a Excelsior foi à falência, ela foi a única que conseguiu receber uma grana; pegou o dinheiro e pagou comida pra todo mundo. No meio do parque da TV, passou o chapéu para os amigos que não tinham o que comer.

Ela era muito ligada aos amigos, o Bigode, por exem­plo, foi grande amigo dela. A Joana Fömm também foi muito amiga da Leila em São Paulo. O Marcelo Cerqueira, seu ex-cunhado, foi um paizão. Tudo de perigoso que acontecia com ela ele estava a seu lado. Na época em que o DOPS queria pegar Leila por causa daquele desfile na avenida Rio Branco, eles foram fazê-lo no programa do Flavio Cavalcanti. Ele sabia, chegou perto dela e disse: "Tem alguma coisa estranha, alguma coisa vai acon­tecer aqui, eu vou fazer o programa, você vai le­vantar e ir fazer xixi; o Marcelo vai passar aqui e você vai sumir, vai lá pra casa, o único lugar que nin­guém vai saber onde você está". Leila foi para o banheiro, trocou de roupa e saiu pela porta dos fundos da TV Tupi, Marcelo já estava esperando. Entrou no carro, se mandou para o sítio do Flavio e não voltou mais para o programa, ninguém sabia o que tinha acon­tecido. Então eles, começaram a me per­seguir e Marcelo dizia "Se segura que você está sendo perseguida, mas você não tem nada e não vão pegar você. Informações jamais, diga não sei, viajou, sumiu". E não pegaram Leila até Marcelo conseguir es­cla­recer tudo.

Leila curtia a cor azul, adorava. Preto nunca, nunca vi Leila de preto, nem de roxo. Era ro­sinha, azul, branco, cores assim, não tinha cor forte. Ela era muito simples pra se vestir. Usava muito jeans desbotado, como se usa ho­je, com a bainha soltas, um cintinho de pano vermelho e branco, uma camisetinha, um pulôver jogado em cima e uma fras­quei­ra. E usava muito biquíni. Leila estava grávida quando abriu uma loja. Ela rodava Ipanema toda grávida, com vestido indiano. Todo mun­do ia comprar lá, a Elis comprava lá. Iam com­prar lá porque era a "loja da Leila", todo mundo queria o que ela estava vestindo. Quan­do a Jana nasceu, ela já tinha terminado es­se negócio, porque não era a dela ser comerciante, ela era atriz.

Ela tinha uma coisa muito forte com o mar, o mar era a vida dela, mar, mar, mar; não dispensava jamais, era a sua energia. Tanto é, que Janaína veio por causa do mar. Ela jogou uma flor no mar e falou que era uma me­nina, no dia de Iemenjá. Ela queria realmente ter um filho, tinha loucura para ser mãe, cuidou de muitos filhos de amigas dela, como da Mariana, filha da Vera Barreto.

Leila viajou por necessidade não queria dei­xar a Janaina, mas como não pintou o con­tra­to com a Globo – estava para ser con­tratada para uma no­ve­la – acabou aceitando o convite para a viagem. Ela queria fazer um queijo e vinho de despedida mas não tinha grana, e como precisava levantar dinheiro pa­ra viajar fomos ao Banco Mineiro do Oes­te, quase às 6 horas da tarde, e o gerente fez um empréstimo para ela na mesma hora. Ela pegou o dinheiro e disse "vamos fazer um queijo e vinho para minha despedida?", eu respondi "Se você quer, vamos fazer, a gente chama o pessoal e faz". Pre­paramos tudo, fomos à praia e na volta ela me disse: "Nene, engraçado, me olhei no espelho e me senti super velha! Velha, velha, velha, com a cabeça branca, toda enrugada". Fize­mos o queijo e vinho, só a gen­te mesmo – eu, a Ligia, o pessoal. Fomos dor­mir muito tarde. Eu ia levá-la ao aeroporto, no Galeão, mas per­de­mos a hora. "Perdeu a hora, ferrou, a gente não vai conseguir chegar lá, mas vamos embora, vamos tentar...", ela dizia. Chegamos, o vôo já era pra ter saído mas atrasou, teve um problema. Cheguei de volta em casa e ela me ligou dizendo "tô aqui, o avião ainda não saiu".

Quando recebi a notícia da mor­te dela eu estava dormindo. O telefone tocou e fui atender – tinha falado com a Leila à noite, antes de dormir, e ela disse "tô indo embora, vou chegar". Era da rádio Jornal do Brasil perguntando se era verdade a no­tícia de que o avião em que a Leila estava caiu e ela morreu. Pensei, "É trote", e desliguei. Mas sabia que ela estava no avião. Tocou de novo e o cara falou: "Você me desculpa, aqui é da rádio Jornal do Brasil e a gente está recebendo uma notícia de que o avião da Leila caiu e ela faleceu." Eu não entendi, não sabia o que fazer, estava louca. Começaram a chover telefonemas, porque o pessoal que estava nos bares ouviu.

Ela vivia trabalhando, trabalhava direto, tinha uma disciplina que nunca vi igual. Dizia sempre "Minha saúde mental é perfeita", repetindo o comentário que Izabel Ribeiro fazia em Parati quando ter­minavam as filmagens de Azyllo muito louco, um filme do Nelson que ela adorou fazer. Teatro ela não fez muito. Amava, adorava de paixão o teatro de revista, fiz com ela o Banana na banda, do Kleber Santos. Foi divertidíssimo, a coisa mais legal que fizemos.

Leila tinha um dom mágico de fazer as coisas, não tinha er­ro. Ela passava o texto, lia a sinopse, repas­sava o tex­to, no avião, no carro, nos camarins du­rante os intervalos. Ela chegava de manhã e dizia "pô, hoje tenho cena pra caramba, me ajuda" e conseguia decorar, inventava um pouco, conseguia dar deixas. Era difícil ter que voltar alguma coisa com ela, mas quando voltava ríamos pra caramba, não dava pra brigar com Leila. Pedia desculpa aos colegas por ter que refazer, não tinha drama. Ela era fácil.

Um grande marco na minha vida foi uma carta de despedida que ela me enviou, eu tinha 21 anos de idade, dizendo "gosto muito de você, você é minha irmã, cuida da Jana, ame, ame muito, viva, viva muito, não tenha medo". Eu levo isso comigo como uma oração. Para mim ela não morreu, ela sumiu.