Portal Brasileiro de Cinema Formação cinematográfica
Formação cinematográfica Eu ia para o interior etc., e aparecia por ali muito disco voador. Um dia resolvi comprar uma camerazinha, pensei em comprar câmera de fotografia pra fotografar o cujo. Mas aí depois falei: “Vou pra filmar o lugar ou o disco”. E eu já tinha um garoto meio pequeno... Aí arrumei uns sócios pra gente fazer um filme, os co-produtores. Os filmes custavam muito caro e eram uns reversíveis, tinham uns quinze ou trinta metros. Você já mandava revelar e vinha pronto. Então eu comprei a maquininha. Foi mais por essa história de disco voador. Eu viajava com a maquineta lá dentro do caminhão. Era uma Keystone, mas a objetiva não era de foco fixo não, eu tive que filmar e o cara me explicou: “Olha, põe aqui que dá certo, põe ali, depois ajeita o foco”. Depois de uma semana, dez, quinze dias, dava mais ou menos tudo certo. Mas aí eu comecei a abusar, uns caras queriam filmar dentro do bar, eu arrisquei e não saiu nada, né? Fui na Fotoptica e tinha lá um livrinho, A cinecâmera e sua técnica, dos primórdios do negócio de câmera 16mm. Li tudo aquilo e fiquei sabendo do fotômetro, do quadro, o que é diafragma, tudo isso. Enfiei mesmo a cara e aprendi. Fui comprando livros, algumas coisas mais adiantadas, que já falavam de montagem, de produção, comprei um livro em francês O que é Produção?, e fui engolindo aquilo tudo. Uns dez, vinte livros, mais ou menos, e todos eles em espanhol... Só o primeiro era em português. Também vi muita fita brasileira aí na década de 50 ou 60. Isso por verde-amarelismo, tem uns negócios desse tipo de engajamento, meio dessa ordem. A fita que me surpreendeu num determinado momento foi Rio, quarenta graus. Me surpreendeu a maneira como aquilo foi feito. Já Carlos Manga fez em Matar ou correr o melhor bangue-bangue brasileiro que eu já vi, feito exatamente como o americano. Fiquei conhecendo um cara que trabalhava na Maristela, quando ela já estava fazendo o último filme. Eu morava ali por perto do estúdio, no Jaçanã, e fiquei conhecendo um dos assistentes de câmera, que era o Eliseo Fernandes. Ele me levou lá pra ver. No primeiro dia eu fui e já fui útil, porque a grua estava difícil de parar, o freio dela não funcionava. Vai de lá pra cá, e falei pro Eliseo: “Se você quiser eu dou uma olhada, eu entendo meio destas coisas”. Olhei pra ela, falei: “Isto aqui é um processo hidráulico, vou fazer ela funcionar pela metade”. Então eu anulei um lado do freio que era hidráulico, que vazava, e ela passou a frear só de um lado. Tinha só que tomar um pouco de cuidado. Fiquei com prestígio, me convidaram pra ator. Eu tenho idéia de mecânica de automóvel, eu sempre tive carro velho... Topar com o disco voador não topei, mas aprendi tudo isso em cinema. Comprei projetor também porque achava bom ter fita em casa. Eu tinha acertado um serviço de transporte, então troquei o transporte por uma máquina muito boa, pequena, chamada Multi Maker sonora. E assim eu acabei mais ou menos aprendendo. Eu via filmes do Alexandre Wulfes, do Rio, que tinha uns jornais cinematográficos. Por volta de cinqüenta e tantos o Padre Donizetti, da cidade de Tambaú, começou a fazer milagres e eu fui falar com uns caras da Boca do Lixo, de quem eu alugava filme 16mm, e disse: “Escuta, vamos lá fazer uma reportagem, filmar os milagres de Tambaú”. Eles abasteciam o mercado brasileiro de 16mm. Eles toparam, compraram todo o negativo e cobriram a parte de laboratório, essa coisa toda, e eu entrei com uma maquinetinha. Depois, com o tempo, encontrei mais gente de cinema, mas eu não estava envolvido em cinema, e o Eliseo disse pra mim que estavam organizando um seminário de cinema no Museu de Arte de São Paulo, quem estava organizando isso era o Bardi, que era diretor lá, e um cara chamado Plínio Sanchez. Falou: “Aproveita e vai lá, você leva jeito”. No seminário tive aulas com o Rodolfo Nanni de direção, o George Tamarski e o Ruy Santos davam fotografia, de produção foi o Alfredo Palácios, Máximo Barro de história do cinema e o José Cañizares, por uns tempos, deu aula de montagem. Teve uma professora que se chamava Nelly Dutra, se não me engano, que tinha sido a esposa do Alberto Ruschel. Ela foi uma das melhores professoras, com quem eu mais aprendi. Ela dava lite-ratura brasileira, roteiro e argumento, era o que ela fazia na Vera Cruz. Eu aprendi o diabo com essa mulher, sabe, me chamava atenção. Esse seminário de cinema, quando abriu, entraram uns trezentos e tantos candidatos, passaram cinqüenta ou sessenta e não sei quantos. Eu fui um deles. A prova era toda sobre conhecimentos gerais. O seminário terminou com 27 pessoas e eu fui uma delas, tirei o sétimo lugar, o cara que tirou o primeiro foi o Milton Amaral. Quando eu estava terminando, o seminário passou pra Faap, as últimas aulas que eu tive já foram nas imediações da Faap. O equipamento, como grua e câmera, foi todo pra lá. Na época eu li Os sertões, li Freud e acho que Dostoiévski, mas eu não lia muito. Lia também alguns livros de psicologia. Eu gostava de psicologia e gosto ainda e eu lia para entender, eu não lia para dizer: “Eu li”. Li Guimarães Rosa e nunca tive problemas para entender e muito menos Euclides da Cunha, uma que eu sou meio caipira também, acho que facilita. Numa época eu passei a ler um bocado, vinte ou trinta livros de contos, coisas como “o melhor do conto brasileiro”, “o melhor do conto regional”. Enquanto fazia o seminário de cinema, já sabia todas as coisas através de livros, e andava por aqui um cara que veio da Inglaterra, se chamava George Ballardier. Conheci o cara, ele foi trabalhar no Bandeirantes da Tela e trouxe uma máquina chamada Cinefon, aqui ninguém usava ela para fazer reportagem. Eles iam fazer um filme, precisavam carregar equipamento. Eu entrei com o caminhão. Era uma fita com três episódios que se chamaria Mulheres modernas. No episódio do Ballardier umas mulheres se empenhavam em jogar futebol, o Eliseo Fernandes também trabalhava. Num dia, o diretor de fotografia, na falta de um assistente, me perguntou: “Você não quer me ajudar aqui?”. E eu ajudei. No outro dia não apareceu o fotógrafo de cena, aí me deram uma câmera e perguntaram: “Você não é capaz de fazer?”. Eu já sabia, né? Gostaram das fotos e ainda me pagaram mais uns dias pra continuar fazendo foto de cena com uma Rolleiflex que me deram. Então, aconteceu. No período do seminário eu trabalhava com o caminhão e continuava também no emprego da prefeitura, e não era suficiente. A parceira vivia dizendo que estava morrendo de fome. Então fui fazer uma reportagem chamado pelo Ballardier. Ele era cinegrafista para um bocado de gente e um dia disse para mim: “Tenho um caso para fazer de certa importância, você quer fazer para mim?”. Falei que não sabia fazer, nunca tinha feito reportagem. Ele disse: “Vêm cá que eu te ensino, quer fazer?”. Falei: “Faço”. Fiz e fui lá para o laboratório. Os caras do laboratório disseram que a fita estava muito boa. Os produtores viram a reportagem e também acharam tudo muito bom. O negativo estava muito bom e foram elogiar o cara que fez. O Ballardier não podia dizer que tinha sido eu que na verdade fez o filme. Aí eu virei cinegrafista. Eu trabalhei para muitos cinejornais de São Paulo e quase do Brasil todo, como a World Press, o Jorge Neto, o Carbonari, o Bandeirantes da Tela, o Notícias Catarinenses, na Campos Filmes eu também trabalhei. Tinha também o Michel Saddi. Ele era um picareta danado, fazia este negócio de emprestar dinheiro e tudo o mais. De vez em quando pedia para eu fazer umas notícias, eu fazia, montava e dava o jornal para ele. O Toni Rabatoni passou a trabalhar para ele também. Marcha para o oeste era um monte de besteira, só é título. Era Michel Saddi que botava tudo isso pra tomar dinheiro dos clientes e o cara era matogrossense, ia pra Cuiabá, Corumbá, inventou a série. Esses documentários nunca passaram fora de Mato Grosso, em canto nenhum. Tinha uma maneira de fazer os cinejornais, por exemplo: um cara lá em Goiás sabia que tinha uma lei que obrigava o cinema a dar nove entradas para passar o curta. Ele pensava que era tudo verdade, e isso pelo menos servia para tomar dinheiro da praça. O produtor dizia: “Olha aqui é obrigado a passar um curta, você vai fazer isso”. Então os produtores levantavam dinheiro numa cidade pequena ou grande, tomavam o dinheiro dos caras e combinavam que cada notícia não deveria ter mais que um minuto, quando era muito boa tinha um minuto e meio. Então os produtores vendiam matéria paga e eu era bom para inventar, para disfarçar essas coisas. Ficavam muito bonitas as minhas reportagens, porque eu disfarçava tudo para não ficar esse troço meio idiota. Às vezes eu fazia um jornal inteirinho, o sujeito me pagava o jornal todo, eu entregava pronto para ele e dizia quanto que custava. Para mim fazer essas reportagens era uma puta escola, sabe. Para mim era uma beleza fazer aquilo porque eu montava, escrevia e tudo mais. Fazia isso com muita facilidade. A narração já ia direto para o ótico. Os jornais que eu fazia, já montava no negativo, não tinha copião. Porque ninguém ia pagar copião para montar, então já montava no negativo e ali eu marcava o texto e sempre marcava para dois jornais ao mesmo tempo, um ficava num lado do ótico e o outro no outro, não podia errar nenhum. Tudo isso é negócio de miserável. Eu gostava de ficar viajando. Nos anos 60, depois que eu fui assessor técnico da Vera Cruz, que pertencia na época ao Banco do Estado de São Paulo, passei pela J. Filmes e saí para viajar pela América do Sul. Viajei com uma firma de cinema porque disseram que eu era um bom motorista e entendia de carro, além disso, era para administrar e fazer a produção. Eu que cuidava de todo o dinheiro, cuidava do carro e dirigia o tempo todo. Fizemos isso em seis meses. Saímos daqui, fomos até a Argentina, subimos os Andes longitudinais e perto do Peru descemos. Ainda fiz cinco ou seis documentários em 16mm, eu arrumava tempo pra isso. O Policia feminina e o Ensino industrial, eu considero como meu aprendizado. Policia feminina eu fiz por quê? Porque foi a primeira polícia feminina no Brasil, achei que era curioso, abriu um concurso e eu entrei. Qualquer um podia entrar e quem me deu um grande apoio foi o Jacques Deheinzelin. Eu queria o Roberto Santos como diretor, e o Deheinzelin perguntou por que eu mesmo não fazia. Fiquei meio sem graça de querer ser diretor, mas o Jacques apoiou e gostou da fita depois. Eu queria fazer o Polícia feminina todo interpretado, para que parecesse um longa, mas o dinheiro não dava. No momento que acabou o dinheiro a fita teve uma finalização meia-bunda. No começo eu levei iluminador, levei diretor de produção. Depois acabou o dinheiro, pus a máquina nas costas e terminei a fita. Quando eu fui para a Boca eu me integrei lá. Foi aí que eu comecei a conhecer todo mundo. Antes eu não conhecia praticamente ninguém, eu conhecia mais era a gente de equipe, não os diretores. Quando os técnicos não tinham nada que fazer, eles iam lá no escritório da oficina de um cara chamado Honório Marin, que tinha sido assistente de câmera, não sei se da Vera Cruz ou da Maristela. O Honório tinha câmera para alugar, na época eram quase todas Arriflex Standard. Ele também consertava câmeras e fazia material para iluminação. No escritório tinha telefone, e a gente dava o número de telefone dele para poder pegar um cliente, além do mais tinha um boteco para tomar café em frente. Eu pintei no Honório em sessenta e tantos e ficava lá pra pegar algumas reportagens. Até a época de A margem era lá que eu fazia ponto. Em cinema fui iluminador, fui câmera também, já fiz direção de produção, parte administrativa, fiz roteiro, fui fotógrafo de cena, ator... Eu montei uns filmes que estavam todos rodados e ninguém queria. Me chamaram para ver se eu dava um jeito no negócio, eu perguntava para os caras o que eles queriam, porque eu não tinha entendido, os caras me contavam a história e eu fazia a fita. O Mojica eu conheci lá pelas bandas do Honório, porque ele foi iluminador e câmera do Mojica. Na época que eu era cinegrafista, fui trabalhar no Meu destino em suas mãos porque eu queria aprender, então conheci o Augusto Sobrado. O Augusto me pediu para preparar a produção. Eu fiz para ele porque para mim era bom, ninguém me pagou não. Tomei uns cafezinhos sem-vergonhas e ficou por isso mesmo. Depois fiz também o À meianoite levarei sua alma, também fiz ele todo. Eu que determinei como é que seria a casa do Zé do Caixão, as paredes e as coisas, aquilo que tem lá, os membros humanos. O quarto fui eu quem preparou para o Rubem Biáfora. Eu fiz produção também para o Antônio Lima no episódio dele em As libertinas, porque eu gostava muito dele, e ele ainda trabalhava n’O Estado de S. Paulo na época. Ele era o único que não fez escola de cinema, porque o João Callegaro e o Carlão Reichenbach eram da Escola São Luiz. Na época da Boca eu fiz também um roteiro, que foi filmado depois pelo Maurice Capovilla, As noites de Iemanjá. A mulher do Moniz Vianna, que era atriz de teatro, resolveu que tinha que fazer um papel no cinema, e teria que ser a Iemanjá. O Moniz era meu amigo, do Biáfora e dos caras na época tidos como direitões. O Moniz perguntou se eu queria para o papel a Amires, mulher dele. Então o Biáfora e o Astolfo Araújo resolveram que iriam produzir a fita, mas o diretor era eu, então pegaram um roteiro chamado Aquela que vem do mar, que era da Ida Laura, uma crítica de cinema d’O Estado de S. Paulo. Me deram o roteiro e eu pedi para que falassem com ela que eu faria aquele roteiro mas tinha que adaptá-lo a minha maneira, porque do jeito que ele estava eu não faria. O Biáfora, parece, foi falar que eu achava uma merda e que eu não iria fazer. Ela topou que modificássemos, mas naturalmente ele não falou como eu falei, então eu fiz a modificação no roteiro. No roteiro original era Iemanjá, e no meu não, era uma mulher com alguns bloqueios porque tinha uma mãe cafetina em Santos e enfiou na cabeça que era Iemanjá. Um negócio para poder segurar a história, ficou muito bom, mas lá no Rio parece que o pessoal se assustou um pouco. |