Portal Brasileiro de Cinema  AOPÇÃO ou AS ROSAS DA ESTRADA

AOPÇÃO ou AS ROSAS DA ESTRADA

Ficção, 1981, 35 mm, P&B, 87 min

 

 

 

 

 

A trajetória das mulheres das zonas rurais, que moram às margens das estradas brasileiras e seu encantamento com o asfalto e os caminhões, leva-as a meter o pé na estrada em direção à cidade grande. Lá tentam um destino melhor que o da prostituição.

Aopção é o melhor filme de Candeias e, sem dúvida, um dos melhores longas-metragens brasileiros de todos os tempos. Não por acaso, foi premiado no Festival de Locarno com um Leopardo de Bronze. É uma obra-prima incontestável.

Poucas vezes no cinema encontraremos obra cuja autoria seja tão concentrada numa só pessoa, que reúne as atividades de diretor, roteirista, fotógrafo, montador e ator – sem que isso transmita ao espectador o menor sentimento de empáfia, exibicionismo ou soberba. É impossível, para quem o assiste, imaginar de modo diferente o enquadramento das imagens, o encadeamento quase-musical da montagem, os episódios apresentados ou o modo como são conduzidos. O filme é um dos mais magníficos e bem-sucedidos exemplos da teoria do cinema de autor.

Como nos melhores de sua obra, também aqui o cineasta dá pouca importância aos diálogos, que, embora existam, são meramente coloquiais. Simples complementação das impressionantes imagens em preto-e-branco que retratam, sem sociologismo nem complacência, a migração das mulheres do mundo rural para a cidade grande e sua gradativa transformacão em prostitutas. Há momentos que lembram a poesia de Dovchenko; outros, o humor de Buñuel; outros ainda, a secura contundente de Kaneto Shindo – mas é sempre Ozualdo Candeias, essa jóia rara do cinema nacional.

Um dos nossos poucos diretores que, apesar de artista e intelectual, não vem da classe dominante: ele estreou como fenômeno, prosseguiu como maldito e agora, com quase oitenta anos, tornou-se cult. Sua trajetória ilustra bem o provérbio “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Ele furou o cerco e hoje é tema de mostra retrospectiva. Bem o merece.

A exemplo dos grandes filmes do cinema silencioso, Aopção tem, repito, uma estrutura quase-musical na sua montagem, onde as seqüências fluem como as ondas do mar (de imagens) ou as notas de uma sinfonia. Filmado em regiões diversas do Brasil, tudo converge tão harmonicamente que por vezes pensamos estar assistindo a um documentário e não a um sofisticadíssimo filme de ficção, aparentemente primitivo.

 

Mas não suponha tratar-se de mero exercício estético e gelado de pós-modernismo. É retrato mais que pungente da condição feminina. Por não saber fazer nada, nem possuir profissão que possa ser aproveitada no mundo competitivo da cidade grande, resta às protagonistas apenas o recurso da mais velha profissão do mundo: “abrir as pernas” para sobreviver. Sem outra opção, apesar do título.

João Carlos Rodrigues

Direção, roteiro: Ozualdo R. Candeias.

Fotografia, montagem e produção: Ozualdo R. Candeias.

Cia. produtora: Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo e Embrafilme.

Elenco: Carmen Angélica, Alan Fontaine, Cristina Gondinho, Carmen Ortega, Virgílio Roveda, Lair Norton, Júlia Veloso, Zé Risonho, Cláudio Camargo e Jasa.

Prêmio: Leopardo de Bronze no XXXIV Festival de Locarno, em 1981.