Portal Brasileiro de Cinema O DESCONHECIDO
O DESCONHECIDO Ficção, 1972, P&B, 50 min Misterioso matador defende jovem prostituta assassinando todos aqueles que a maltratam de alguma forma. Em sua primeira incursão de fato pelo universo televisivo – antes havia feito reportagens, jingles e outros pequenos produtos –, Candeias apresentou e dirigiu um argumento próprio para o programa Teatro 2, da TV Cultura. O desconhecido revelava ao mesmo tempo uma aproximação e um distanciamento do mainstream da época. Estavam em voga o universo rural e o banditismo, expressos, por exemplo, no enorme sucesso de uma telenovela como Irmãos Coragem. Poucas obras, porém, escapavam da pesada encenação imposta tanto por recursos de difícil manuseio (câmeras de mais de cinqüenta quilos) como por pressões mercadológicas. As narrativas eram lineares, centradas invariavelmente no texto, com diégese realista e auto-explicativas. Um embrionário star system, certo padrão de produção e o maniqueísmo de sempre completavam o quadro. Se a paisagem humana e física de O desconhecido não era de todo uma novidade para o telespectador da década de 70, a sua fatura artística certamente não encontrava paralelo nas experiências televisivas daquele momento, nem no campo cinematográfico, em que pese toda a efervescência do Cinema Novo e do Cinema Marginal, excetuando, claro, a obra anterior do próprio Candeias. Importa pouco aqui a tão propalada especificidade do cinema e da televisão. A obra transcende sua base videomagnética e realiza-se dentro da tradição experimental cinematográfica, constituindo-se em verdadeira precursora de determinados traços estilísticos do cinema contemporâneo. Expondo mais uma vez a radical e já tradicional economia de meios que identifica o cinema de Candeias, O desconhecido aborda a chegada de um pistoleiro a um bordel de interior, onde entrará em contato com uma parte do seu passado. Retomando algo da estratégia narrativa de Meu nome é Tonho, o especial impõe-se principalmente como um exercício de decantação do estilo Candeias: o minimalismo das expressões faciais, o uso predominante de não-atores, a exclusão ou redução do cenário a mero elemento sugestivo, o diálogo como som ambiente, sem fonte visual determinada, o enquadramento rebuscado, o movimento de câmera elaborado, tudo contribui para a criação de um espetáculo surpreendente em sua visualidade e rigorosíssimo na sua condução. A ação caminha sem explicações textuais, com uso pronunciado de elipses e sem concessão ao psicologismo. O tom melodramático característico de sua obra é aqui reduzido ao máximo, permitindo uma intensificação das poucas informações fornecidas ao telespectador. A identificação de certas figuras sociais que representam o poder local e a associação imediata a alguma forma de violência social (que não se vê, só se depreende), transforma-se de pronto em crítica ao status quo. Breve e oblíqua menção ao regime militar, indica o quanto o silêncio estrutura a obra e a própria vida da época. A personagem que conduz os destinos dos que estão à sua volta, praticamente não fala e abstém-se de revelar os porquês dos acontecimentos. Talvez em nenhum outro momento de sua obra, Candeias trabalhe de forma tão brilhante a recorrente cena da estigmatização social pelo discurso dominante, quase sempre de caráter religioso. Em um verdadeiro tour de force, vemos a pesada câmera de televisão simular a leveza da câmera de mão e passar pelos rostos inertes do povo, inventando ao mesmo tempo uma nova geografia do espaço visual cinematográfico e um novo conteúdo para uma imagem por demais desgastada àquela altura. Hernani Heffner Direção e roteiro: Ozualdo R. Candeias. Direção de TV: Arruda Neto, Ítalo Morelli e Sérgio Mattar. Produção: Antônio Ghigo Netto. Cia. produtora: TV Cultura. Elenco: Joana Fomm, Edio Smanio, Estevão Melo, Paulo Hesse, Zé Risonho, Ondina Maciel, Carlos Castilho, Helma Maria, Tereza Bianchi, Ricardo Zambão e Luiz Gonzaga. |