O VIGILANTE

Ficção, 1992, 35 mm, Cor, 77 min

 
 

 

 

 

Violeiro vindo do campo chega na metrópole em busca de uma vida melhor, entretanto, só consegue emprego como vigilante de uma empresa. As barbaridades que os traficantes da favela onde mora infligem à comunidade, levam-no a utilizar seu revólver para outros fins.

Vigiar e punir. Parece que a lógica foucaltiana que está por trás de todos os reality-shows que atualmente enchem nossos corações e mentes também permeou a construção de O vigilante (1992-3), apesar do filme ter uma abordagem radicalmente oposta a esse tipo de programa que invadiu a televisão.

 

Em O vigilante, temos a questão do deslocamento como ponto de partida e é num campo desconhecido que se trava a narrativa:a personagem sai de lá para trabalhar na cidade. O mesmo ocorre com os reality, nos quais o deslocamento, seja para uma casa, um barco ou uma ilha, é fundamental na “trama”.

Além disso temos o convívio com o desconhecido. O filme de Candeias mostra o migrante vivendo em um subúrbio rodeado de miséria e convivendo diariamente com a violência dos traficantes; na televisão, temos a coabitação não menos forçada entre as “personagens” e uma rotina ditada por regras que estão abaixo do que conhecemos por cidadania. Dessa forma, filme e programa de televisão também versam sobre os limites da prisão.

Por fim, o convívio com o desconhecido sempre cria uma situação que leva à eliminação, não sem antes ser legitimada por quem está assistindo. Na película, o migrante trabalha como vigia e aluga um quarto na casa de uma família. A filha dessa família sonha em se casar virgem e de branco, mas, vítima da violência que a cerca, acaba sendo estuprada e morta. Indignado, o vigilante sente-se legitimado a cumprir o papel de justiceiro e pune todos os culpados do assassinato. Em uma das cenas mais emblemáticas do filme, trabalhadores chegam ao ponto de ônibus logo nas primeiras horas do dia e encontram os corpos ensangüentados dos estupradores vestidos de noiva. É importante salientar que a legitimação do ato da eliminação é sempre moral. É ela que retira os participantes dos programas de televisão.

Candeias e os reality-shows assemelham-se apenas na construção da narrativa, o caminho formal é totalmente divergente. Se o “primitivismo” do cineasta, com sua montagem originalíssima e seus anárquicos enquadramentos, serve para questionar o espetáculo, o trash e o descuido técnico desse tipo de programa reforçam o tempo todo o caráter de entretenimento do que é exibido. Por fim, temos a maneira como são abordadas as conclusões da tese apresentada. Se um estado hostil nos leva à eliminação do que pode ser violento, para Candeias isso desencadeia um ciclo repetitivo, sem soluções. No caso de O vigilante, depois da chacina a personagem resolve sair da cidade. Pega um ônibus e nele ocorre um assalto, no qual participam também crianças armadas. Há um tiroteio e não sabemos realmente o que acontece, pois ao final estão todos no paredão. Um oroborus da violência. Já nos reality, as eliminações têm um fim e são brindadas, tanto para os perdedores como para o vencedor, com capas de revistas, entrevistas e certa glamorização.

O vigilante propõe a desilusão do espetáculo, ao passo que os reality querem iludir o real. Sendo assim, sempre a favor da realidade, o cinema de Candeias é o anti-reality que falta nos nossos corações e mentes.

Vitor Angelo

Direção, roteiro, fotografia e produção: Ozualdo R. Candeias.

Montagem: Máximo Barro.

Música: Edu Roque.

Cia. produtora: Candeias Produções Cinematográficas e Secretaria de Estado da Cultura do Governo de São Paulo.

Elenco: Ariela Goldmann, Bárbara Fazio, Francolino, Mara Prado, Marly Gonçalves, Margareth Abrão, Rogério Costa, Sidney Góes, Solange Abreu, Walter Carlos, Wilson Roncatti, Jairo Ferreira e Rajá Aragão.

Prêmio Especial do Júri no XXV Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1992.