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ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER Ficção, 1965-66, 35 mm, P&B / cor, 107 min, longa-metragem Após escapar da morte, no final de À meia-noite levarei sua alma, Zé do Caixão está de volta à pequena cidade onde mora e é alvo dos olhares temerosos da população. O coveiro continua a desejar um filho para perpetuar a sua linhagem “superior”. Para tanto, procura a mulher perfeita, sem economizar recursos cruéis e perversos para descobri-la, como raptar seis belas moças, submetendo-as às mais terríveis torturas. A força do personagem Josefel Zanatas, o coveiro Zé do Caixão, é prova de que, no cinema brasileiro, sobrevivem mal os heróis bem-intencionados. As frases de efeito, o jogo inócuo de palavras (“tudo”/“nada”), o moralismo incongruente e pernóstico, a mistura pretensiosa de misticismo e materialismo que o caracterizam, tudo isso faz de Zé do Caixão uma espécie de pária no universo cinematográfico ficcional brasileiro. Mas sua principal qualidade – a originalidade – decorre justamente de tal condição. Vantagem para Zé: é quase impossível sustentar teses e interpretações sociologizantes a seu respeito sem cair no ridículo. Assim como o Jeca de Mazzaropi, Zé do Caixão é um personagem perfeitamente autoconsciente. Dispensa, portanto, justificativas alheias. Os únicos filmes nos quais Zé do Caixão de fato vive como personagem central, classicamente inserido em seu particular universo ficcional, são À meia-noite levarei sua alma e Esta noite encarnarei no teu cadáver. A construção dramática de Zé em Esta noite... atinge, assim, um ponto de culminância, que aponta para uma fase de transição. Na medida em que o filme é uma continuação de À meia-noite levarei sua alma, o personagem já é autoreferencial, mas não a ponto de ser posto em xeque pelo próprio realizador. Mantém-se num espaço-limite entre a criação original e a repetição. O perigo do esgotamento já se manifesta. Não por acaso Esta noite... parece assumir outra relação com o espaço e com o tempo, distendendo situações e explorando o excesso dentro de um experimentalismo bem diverso do filme anterior. A seqüência do pesadelo de Zé do Caixão é um exemplo claro disso. Filmada em cores, explora o grotesco e as aberrações em grossas camadas de tinta, exacerbando o artificialismo dos cenários, dos figurinos, da maquiagem e dos efeitos especiais, em tudo diversos do restante do filme. A seqüência anuncia o psicodelismo de O despertar da besta, a sinfonia de urros e o estilo baseado na colagem que marcará os filmes posteriores de Mojica, além de avançar na suspensão temporal própria à percepção poética do cinema de invenção, que começava a dar seus primeiros frutos justamente ali, naquele mesmo ano de 1967. Com Esta noite..., Mojica tem a oportunidade de cristalizar sua criação antológica: um personagem exasperado, dono de um bizarro sentimento romântico de eternidade, com delírios de grandeza, condenado a conviver com uma população servil, mesquinha, acovardada. No fundo, o verdadeiro terror de Zé do Caixão é tornar-se mais um medíocre. Curiosamente, ao “esvaziá-lo” em seus desdobramentos metalingüísticos, o diretor parece ter ouvido o apelo de seu personagem. Depois de Esta noite encarnarei no teu cadáver, Zé do Caixão perde consistência e ganha a eternidade. O cinema salvou Josefel Zanatas do próprio cinema. Luís Alberto Rocha Melo |