REINO SANGRENTO
Ficção, 1950, 16 mm, P&B, 9 min, curta-metragem

SENTENÇA DE DEUS
Ficção, 1955-56, 35 mm, P&B, inacabado

 

 
 

Em Reino sangrento, filme de aventura ambientado na selva amazônica, dois garotos são feitos prisioneiros por um sultão malvado e levados ao palácio. Sentença de Deus é um dramalhão noir sobre uma família desestruturada. As cenas rodadas serviriam para conquistar possíveis investidores.

Antes de ser reduzido à condição de discurso furado de uma classe dominante, o cinema brasileiro era – principalmente – uma grande aventura. Reino sangrento e Sentença de Deus são verdadeiras relíquias desse tempo de bravos. As duas fitas, uma 100% amadora e a outra semiprofissional e inacabada, são experimentais no sentido mais genuíno. Revelam os primeiros passos de José Mojica Marins – o maior cineasta brasileiro de todos os tempos – no terreno baldio da realização cinematográfica.

Nosso Méliès da Vila Anastácio começou no ofício aos 13 anos. O único incentivo de Mojica foi seu desejo incontrolável de fazer cinema, de seduzir e hipnotizar as massas. Hoje, os cineastas ficam à espera do incentivo fiscal. Reino sangrento foi filmado a 18 quadros, com uma câmera 16 mm de corda. É um filme silencioso. Era exibido em cinemas do interior e em clubes. Mojica levava o projetor, apresentava sua trupe e narrava a trama durante a projeção.

Nessa película, quer a imaginação de Mojica que a história do filme se passe na Amazônia. Não é o que vemos na tela. A fita mostra dois adolescentes dos anos 40 em apuros, prisioneiros em um palácio, entre sultões e odaliscas. Viajantes no tempo? Uma quase multidão de figurantes fantasiados confere credibilidade à produção. As lutas são ótimas, e tudo no filme é divertido. Quando Mojica entra em cena, na pele do vilão, seus olhos roubam a atenção do espectador. Maluco por mulher desde moleque, Mojica sacia seus instintos filmando uma longa dança do ventre. Em seguida, buscando sempre o máximo de realismo, o cineasta/ator joga-se da escada e rola, sem piedade da própria carne.

Quanto a Sentença de Deus, trata-se de outro material fabuloso. A história da produção – nunca concluída – é mais melodramática que o próprio enredo do filme. Durante quase dois anos, Mojica fez de tudo para conseguir dinheiro. Acabou obrigado a desistir do projeto. Os dez minutos filmados – uma seqüência inteira quase montada e vários takes de outra – mostram como Mojica já levava a sério o trabalho de interpretação. Há uma falsa economia de gestos que perturba. Parece canastrice, mas não é só isso. Vemos vários takes de uma mesma cena. Praticamente não há diálogos. A cada claquete, Mojica entrega-se a uma nova experiência no campo da interpretação. Ele também está consciente da necessidade de filmar de vários ângulos. Demonstra já saber que deve tirar o máximo do princípio básico do cinema: o movimento.

Remier Lion