Portal Brasileiro de Cinema O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO
O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO Ficção, 1967-68, 35 mm, P&B, 82 min, longa-metragem O pensamento inusitado de Zé do Caixão é apresentado em três episódios: a história de um velho fabricante de misteriosas bonecas, a paixão sem limites de um vendedor de balões por uma bela garota e a didática demonstração de um estranho professor. Zé do Caixão é um colecionador de histórias que comprovam sua visão de mundo. Um mundo em que razão e certezas são postas de lado. Zé nos previne da necessidade de coragem para conhecê-lo, como afirma na apresentação de O estranho mundo de Zé do Caixão, nos advertindo para o que vem pela frente: “Você não viu nada e quer ver tudo, você já viu tudo e não viu nada”. O filme, composto de três episódios, é uma síntese disso. A bela abertura, com imagens de cemitérios, desenhos, a música-tema – composta por José Mojica Marins –, lembra que Zé “criou só para si o seu mundo, que ninguém pode mais tirar”. No primeiro episódio, “O fabricante de bonecas”, o personagem-título é um misterioso senhor chamado Velho Vasco, que pratica seu ofício com a ajuda de quatro belas filhas. As bonecas – que têm os olhos como ponto forte – são muito cobiçadas e caras, o que motiva a ganância de certos tipos que invadem sua casa. As intenções dos invasores acabam sendo desviadas pela sedução das filhas/sereias, que revelam suas verdadeiras funções. Mojica reforça o episódio por meio de uma fusão sonora em que concorrem sons de ventania, trovões, órgão, ruídos de animais, atabaques e até de um berimbau. Na história, o elemento de mistério esconde-se no que é aparentemente comum, vida e morte se confundem, e as fraquezas humanas têm seu preço. Em “Tara”, um pobre vendedor de balões, para quem até o amor era negado, encontra uma bela jovem na rua por quem desenvolve uma estranha paixão. Passa a segui-la e acompanha suas desventuras – no dia do casamento, ela é assassinada pela ex-amante de seu marido. No entanto, a morte da moça não o impede de, movido pela obsessão, demonstrar seu amor à falecida. Uma macabra história sem diálogos, embalada por singelos sons de realejos e caixinhas de música, na qual – reforçando a visão de mundo de Zé – paixão e tara misturam-se, gerando no ser humano um sentimento latente que o acaso pode despertar. Mas é no episódio “Ideologia” que Mojica permite que seu personagem coloque à prova seu jeito de pensar. Logo no início ouvimos, num programa de televisão, o professor Oaxiac Odez (Zé do Caixão ao contrário) explicar didaticamente sua visão sobre a predominância dos instintos sobre a razão. A forma como Mojica apresenta Odez - primeiro somente sua voz e as reações de incômodo dos presentes, depois suas mãos e famosas unhas sobre a mesa para só depois revelar o rosto do personagem - reforça a mística em torno da figura de Zé do Caixão. O professor é questionado por um jornalista, com quem discute, mas acaba por convidá-lo a uma visita à sua mansão para tentar provar o que havia afirmado. Segue-se uma incursão à câmara de horrores de Odez, com uma série fantástica de torturas e crueldades que visam unicamente demonstrar os limites do controle da razão sobre as ações humanas. Em “Ideologia”, Zé do Caixão comprova sua visão de mundo numa experiência de laboratório. Alessandro Gamo |