Portal Brasileiro de Cinema João Batista de Andrade
João Batista de Andrade Gamal & O filho da televisão
Sempre que se fala em Cinema Marginal, vejo-me diante de uma questão mal resolvida: eu teria participado desse movimento? Iniciei como cineasta em 1963, trazendo comigo a experiência de militância da política universitária. Meu primeiro filme "solo" é o politizado e criativo Liberdade de imprensa (1966), apreendido pelo Exército em 68, durante o Congresso da UNE. No entanto, O filho da televisão e Gamal, ambos de 69, são como um mergulho no caos, na irracionalidade; são frutos de uma profunda crise pessoal. E Gamal é o auge dessa crise, um filme estranho, carregado de medos, perseguições, frustrações, fugas _ marcas do ano de sua produção, sob o domínio do AI-5. O filme nascera como pura emoção, sem controle narrativo; o roteiro feito numa noite, como vômito diante do sentimento de inviabilidade que sufocou meu esforço por manter a consciência. Contraditoriamente, em Gamal nós exercitamos um cinema de realização livre: eu ensaiava antes com os atores e depois, já nas locações, o Bodanzky filmava a cena como um documentário. Tudo muito rápido, fugindo à repressão policial da ditadura, que nos proibia de filmar nas ruas. Gamal é um belo filme, me valeu até o prêmio Air France/69 e teve uma excelente receptividade justamente na área do Cinema Marginal. Mas não era exatamente o que eu queria. E passei a buscar o reencontro da trilha de minha formação, a idéia de um cinema criativo sem perder minhas raízes, como apontava o Liberdade de imprensa. Hoje, os dois filmes devem ser vistos como um hiato em minha carreira. Mesmo que belos, são registros caóticos desse momento de pesadelo, de perda de caminho, carregado de conflitos e medos. Ou, quem sabe, devem ser revistos, re-interpretados. |