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SEM ESSA ARANHA

1970 . Rogério Sganzerla
Rio de Janeiro, 102 minutos, 35mm, p&b

 
 
 

“Já fiz tudo que um branco podia fazer”, confessa o personagem principal de Sem essa Aranha. Depois de colocar os paulistas em transe, desencadeando uma nova onda de esquizofrenia paraindustrial entre cinéfilos e seguidores mais radicais — sem falar dos fãs de vanguarda e dos diluidores de carteirinha —, Rogério Sganzerla vem ao Rio mostrar que é realmente o melhor de todos. Os três filmes dirigidos para a produtora Belair — a nossa Atlântida udigrúdi —, no primeiro semestre de 1970, precisam ser revistos. Da Boca do Lixo paulista para o Beco da Fome carioca, Rogério Sganzerla chegou tocando o terror:“sempre tive a impressão que o diabo ia com a nossa cara!”. Sem essa Aranha foi o último filme da série carioca — e não deve nada às produções paulistas do diretor. O cineasta teve que sair do país às pressas, com as latas na mão. Os negativos foram levados a Paris e revelados no laboratório da Éclair. A associação entre Sganzerla e o ator Jorge Loredo é um dos maiores achados do cinema brasileiro. O personagem Zé Bonitinho — tipo criado por Loredo para a TV, caricatura genial do cafajeste local, cafona e colonizado, o galã fracassado que no fim das contas se dá bem, resumindo: o picareta — se mistura tão bem com o Aranha do filme que parece até uma invenção do próprio Rogério.

 

Números musicais com Moreira da Silva e Luiz Gonzaga, stripteases, um pacto com o demônio, artistas de circo, masturbação e morte completam essa eletrizante chanchada psicodélica, apresentada em quinze planos-seqüência de tirar o fôlego e enquadrados com estilo pela câmera-na-mão de Edson Santos. Estilhaços de Joyce, Rimbaud e — principal-mente — Oswald de Andrade ex plodem na tela:“reconheço e identifico o homem recalcado do Brasil, produto do clima, da economia escrava e da moral desumana que faz milhões de onanistas desesperados e de pe-derastas”. Um raio X do Rio e da tragicomédia brasileira.“O cinema não me interessa, mas a profecia”, dizia Rogério Sganzerla em 1968.

Remier Lion

Cia. produtora: Belair

Direção e roteiro: Rogério Sganzerla

Fotografia: Edson Santos

Montagem: Rogério Sganzerla, Júlio Bressane

Elenco: Jorge Loredo, Helena Ignez, Maria Gladys, Luiz Gonzaga, Aparecida, Moreira da Silva (Morengueira)