Depois do vampiro tropical — Nosferatu nas areias de Copacabana —, Ivan Cardoso repete a dose e deixa a imaginação voar longe outra vez em O segredo da múmia, clássico bárbaro & nosso da patuscada. Neste filme fabuloso, Ivan mistura tudo aquilo que é/seria lixo cultural, culturalmente “menor” — cinema vagabundo americano & pornochanchada, terror & comédia (ou terrir), aventura barata & newsreel de araque, sem esquecer da linguagem de quadrinhos e dos diálogos de seriado de TV —, e o resultado é fantástico! Uma múmia no Brasil... “Isto é cinema!”, já sacou o grande Sam Fuller. E sem essa de realismo crítico ou macumba para turista: neste verdadeiro laboratório de imagens, vemos mordomos sádicos perseguindo empregadas desleixadas, mocinhas seminuas sendo atacadas por múmias redivivas, louras burras, comparsas traidores, repórteres dublados com desenho animado e, claro, um cientista louco (seria ele o alter-ego do diretor?) que anima a neochanchada no terror. “O negócio é experimentar”, diz a certa altura o professor Expeditus Vitus, dando a chave da fita: cinema oswaldiano, antropofágico, de invenção, deglutindo (não seria vampirizando?) a mitologia dos filmes B e tudo mais que for consumido por essas bandas. Seria a constatação do óbvio, mas é antes a resistência cultural, a avacalhação revigorante ou uma pérola crítica. É cinema que (in)forma pela exuberância do ritmo, pela montagem visionária (não há seqüências, mas ideogramas visuais), pelos cenários fajutos (metáfora dos trópicos subdesenvolvidos?), pelos personagens às vezes sublimes, às vezes estúpidos, pelas piadinhas infames... Cinema que faz tudo, a partir do nada — ou, como querem alguns, do lixo cultural. O roteiro, vale lembrar, é do mestre Rubens F. Lucchetti, o mesmo dos filmes de Mojica Marins/Zé do Caixão — que, aliás, aparece aqui numa participação um tanto especial.

Juliano Tosi