Portal Brasileiro de Cinema  José Mojica Marins

José Mojica Marins

Entrevistado por Eugenio Puppo e Vera Haddad

Cinema Marginal

O Cinema Marginal é um cinema puro, um cinema verdadeiro, pureza e verdade resumem tudo. (...) na realidade, era o cinema feito com garra, com criatividade, com vontade de fazer cinema, mas que não estava ligado a grupos. Nós tivemos inicialmente o movimento do Cinema Novo, mas o Cinema Novo fazia uns filmes um pouco individualistas.

(...) Nos anos 66 cheguei a ter uma comunhão através do próprio Glauber, que me pediu pra juntar com Gustavo Dahl e uma série de outros seguidores dele, Júlio Bressane, e uma série de pessoas do Rio, e a gente fez uma reunião explicando porque eles faziam o Cinema Novo, e porque o Cinema Novo não tinha público nenhum. Então eu achei que o problema de não ter público era uma questão de se juntar o útil ao agradável, ou seja, a pessoa que quer ir ao cinema.... a maioria queria ir por diversão, então em primeiro lugar eu falei pro Glauber e uma série de cineastas seguidores dele, eu acho que tinha que se dar o espetáculo e atrás do espetáculo mostrar a mensagem e quem queria via a mensagem...(...) E o público, que é o que paga, via um espetáculo. Parece que isso deu efeito, porque muitos deles partiram para os cinemas comerciais. O Cacá Diegues também teve na reunião e tal, então ele partiu de lá e muitos foram partindo e começaram a fazer um cinema que realmente podia chamar público.

(...) Nasce a marginalização de onde? Era uma época em que eu fazia cinema jogando primeiro o que era meu, e quando acabava eu jogava o que era do outro. Depois que eu não tinha mais verba é que eu fazia as ações, né? O que eu tinha, eu implantava primeiro, quer dizer, essa foi mais ou menos a receita pra fazer um cinema independente, e esse cinema passou a chamar marginal, Cinema Maldito, Cinema de Criatividade, Cinema de Invenção e muitos nome para o cinema que eu fazia, eu acho até um crime aqueles nome que eles davam, mas a gente estava dentro daquela marginalização (...). E assim uma série de pessoas que achavam que não dava pra fazer cinema acharam uma forma, quer dizer, era algo que você fazia, com meia dúzia de pessoas, ou dez, ou vinte, e cada um tinha sua parte na cota. Então nós tivemos uma série de diretores, como João Callegaro, Ivan Cardoso, Júlio Bressane, que na época fizeram um cinema criativo e barato. O Júlio Bressane chegou a fazer filmes como A agonia em quatro dias, o que realmente era uma agonia. A gente foi passar em Brasília, com uma sessão lotada, e acabou só eu, Neville d'Almeida, o Ivan Cardoso e ele. E o que eu perguntei foi: o que você acha disso? Ele falou: o que é que você sentiu? E eu falei, eu senti agonia. Ele falou: então é o que eu quero fazer! Tem um casal que começa andando na fita, fica andando a fita toda, falam duas ou três palavras, não chegam nem a se beijar, né? E vai dando aquela agonia no público e o público vai saindo do cinema, saindo, e ele falou: não, eu fiz pra isso, pra dar agonia, e aí deu certo, era um cinema mais individualista...

Película e Digital

(...) Mas eu ainda acredito que neste ano de 2001 ainda vai muita gente juntar uma câmera e realmente partir pra luta. Hoje, com digital, pode ser que muitos partam para o digital, mas quem realmente gosta da película vai querer fazer, sempre, sempre, sempre.

Ditadura

O grande problema que a gente tinha era a ditadura, isso era muito forte, a censura era muito, era terrível, terrível, terrível, entende? (...). Houve fitas minhas que não chegaram a passar, a maior obra-prima minha, como O despertar da besta, que o primeiro título era O ritual dos sádicos, que depois eu tive que trocar o título e a censura chegou a dizer que se fosse pra não cortar só deixaria o título. Realmente o cinema naquela época... (...) pela perseguição da censura, pelos pseudo-intelectuais, críticos que não conseguiram fazer cinema, nos perseguiam, né? Um agitamento dos próprios exibidores que começaram a montar as suas produtoras.

(...) Fazer cinema nos anos 60/70 era um foguete, era mais fácil fazer um foguete ir pra lua que fazer cinema aqui. Entrava polícia no meio, eu sei que muitos eram chamados pra fazer depoimentos, eu mesmo cheguei a ser preso, com alegações, sempre haviam alegações terríveis... (...). Chegaram a dizer que eu fazia terror só pra simular debaixo do meu terror a minha mensagem política, quando eu nem quero entender de política... Meu Deus do Céu, prefiro ser qualquer coisa no mundo menos político, quem sabe até ser padre, ser pastor, qualquer outra coisa, vendedor, qualquer coisa é melhor do que ser político. Nessa época, a pessoa que tinha realmente amor...não seria difícil um elemento roubar até uma lata de negativo e se for preciso até passar 30 dias numa cadeia, pra ver sua obra realizada.

Trucagem

As pessoas acham que nosso cinema no passado era realmente de uma criatividade, de um bom gosto, era um cinema precário em questão financeira, mas em questão de técnica de história as pessoas se desdobravam e faziam muito o que hoje eu acredito que ficou quase igual ao mundo inteiro, (...) um cinema quadradinho feito com falta de criatividade, diferente daquele cinema artesanal, em que a gente de repente tinha que fazer uma trucagem, a gente tinha que inventar o que já estava inventado. (...) Mas era um negócio muito valioso, porque aquilo que eles gastaram fábulas lá no exterior a gente conseguia o mesmo efeito aqui que os americanos e os europeus ficavam: "ahhh ! mas como pode?"... e eles olham.

(...) Um exemplo, vamos supor: Meia-noite levarei tua alma. Eu precisava de um cara que desse a impressão de morto, maquiado, mas que tivesse uma auréola em torno dele. Não tinha jeito...(...) a coisa mais prática foi pegar purpurina: purpurina preta no negativo, ficava, na imagem, branca. Pusemos purpurina preta quadro a quadro, fomos colando, colando, colando, aí tiramos daquilo um master, um contratipo, e não deu outra: o público vem abaixo, "nossa, como é que vem"? (...) Letreiros?, já chegamos a fazer letreiros escrevendo no próprio negativo. "Nossa, que criatividade! Que truca foi essa?" Foi a truca de um cara que faz desenho animado e escreveu o letreiro. Então, as trucagens a gente fazia com o que era possível, tentava fazer, entende?

Para essa nova geração

O cinema praticamente convencional que todo mundo segue, eu acho que as pessoas podem aprender o currículo, mas dentro do convencional, da coisa certinha... (...) a pessoa tem que realmente pensar em renovação. Cinema é uma coisa que nunca terá fim em sua criatividade, você está sempre criando coisas dentro do cinema. Então é a hora de quem faz o cinema convencional quebrar um pouco as regras, não quero dizer com isso que ele vai entrar no cinema marginal, esse é outro tipo de pessoa, mas aquele que gosta das coisas certinhas, pode fazer as coisa certinho mas usar um pouco a sua criatividade. Ele tem que parar pra pensar e ver que ele tem realmente condições de fazer, e ele vai fazer, entende? Então melhorar o cinema quadrado, que eu acho que é hora de se melhorar, e temos tudo para isso, principalmente vontade, eu sei que as pessoas que estão fazendo fazem por vontade (...).

É a vida a morte ou será a morte a vida?

A morte é a vida, certo? A morte é a vida porque a morte é quase que umas férias para a nossa mente, né?... (...) não sei, só não sei se a gente volta aqui, numa outra alma, numa outra dimensão, num outro planeta, não sei, mas que a gente prossegue depois, aqui nós estamos somente passando por um teste. A Terra nada mais é que um satélite experimental, estamos passando por um teste. (...) extinção é muito mais do que a morte, a extinção da essência, a extinção do espírito, vai virar somente energia pra juntar lá em cima, mas a morte é um descanso (...).