Nenê Bandalho investe numa das atitudes mais constantes do cinema marginal: a releitura de gêneros do cinema americano. No caso, a principal fascinação é pelo filme policial, mas não se deixa de prestar tributo ao faroeste. O cerco a Nenê Bandalho constitui o núcleo da narrativa, a partir do qual vários flashbacks vão dar conta dos acontecimentos que o levaram até ali. Os flashbacks concentram os momentos menos convencionais do filme, embora haja sempre um forte vínculo realista, com as lembranças sendo acionadas por cigarros de maconha. A memória/alucinação torna-se território privilegiado para a fragmentação da linguagem. Numa cena decisiva da biografia do bandido — o estupro da mãe —, a câmera explora closes dos rostos, conferindo uma dramaticidade expressionista na representação quase demoníaca dos agressores. Nos tiroteios e perseguições, a montagem intercala planos rápidos e às vezes estroboscópicos. Objetos, como as armas de fogo, chegam a adquirir conotação fetichista quando enquadrados em planos fechados, desgarrados dos personagens da ação. Nenê Bandalho exibe uma ligação intrínseca com O Bandido da Luz Vermelha, ao retomar o filme de gênero e a figura do marginal como herói. Mas, na maior parte do tempo, não resiste a seguir convencionalmente os modelos que tem por referência. A oscilação entre a abordagem crítica e a convencional no diálogo com os gêneros de referência encontra um momento de equilíbrio na seqüência final. O filme consegue, então, alcançar uma dimensão grandiosa, ecoando o drama do bandido pelo espaço urbano, visto em solenes planos aéreos embalados por trilha de faroeste.

Guiomar Ramos e Luciana Corrêa de Araújo